segunda-feira, novembro 29, 2004

A ESCALA HUMANA

Era certo que uma reeleição de Bush mudaria a maneira que os americanos são vistos pelo mundo. Inevitável uma nova visão, o desenho de uma linha, de um muro, “nós contra o resto do mundo”, “paranóia X paz”. Que ratificar as ações de um sujeito que mentiu para ir a uma guerra gananciosa e irresponsável, eleger o responsável pela morte de muito mais gente do que Osama Bin Laden geraria uma sensação de “ou nós ou eles”. E nós, para aqueles que sabem o lugar reservado no mundo para latino-americanos vermelhos no banco, somos “eles”. Até a Veja critica Bush, enquanto Lula fica feliz por sua vitória (além do protocolar) para você ver à que ponto de absurdo nós chegamos.

Permita-me usar do tão falado, quando estava na faculdade, recurso do hipertexto. Primeira parada. Leia como mudou a construção do responsável pelas novas atrocidades americanas no Iraque. Como a eleição ampliou o que antes e focava como um ataque à Bush e sua cúpula, neste texto, de Emir Sader. Meu coração está em Faluja. Voltou? Até a Madonna, está vendo seu país, da Inglaterra, e de forma diferente. Madonna pede retirada de tropas americanas do Iraque

Uma amiga minha mandou algo que me comoveu muito. Veja da primeira até pelo menos a sexta página da galeria de fotos deste website. São norte-americanos, centena deles, e o site sequer consegue processar a enxurrada de imagens que chegam, pedindo desculpa ao resto do mundo pela eleição de Bush. Uns xingam quem votou nele de idiota, outros pedem “asilo”, no Canadá ou no resto do mundo.

Olhem nos seus olhos, fotos tiradas em suas casas, a maioria jovem, entre brincadeiras e olhar desoladores, um dos atos mais simpáticos de viver sociedade. Pedir desculpa. Não desculpas por serem americanos. São o que são. Pedem do que os Estados Unidos é e estar se tornando mais.

Dizem terem tentado ao máximo, feito campanha, mas não deu. Talvez o mais tocante sejam aqueles que dentro da paranóia terrorista fermentada, ou antevendo contornos mais sombrios para o futuro, ou a lei do retorno, pedem para não serem bombardeados, temem pela vida até 2008, lembram que seus estados não votaram em Bush.

São a minoria. Bush, se não houve roubo, venceu de forma “legítima”.

Típico do sistema “tudo ou nada”. Fica uma “minoria” desamparada de 48%, de um sistema político que não dá opção real, a deriva em um país cada vez mais fanático, egoísta e disposto a impor sua verdade e principalmente manter seu padrão de consumo e reflexão autista custe o que custar para os outros. E no final da conta certamente custará para eles também.

O nome é Sorry everybody. E é só clicar no link.

Voltou?

Triste, não é? Humanos dentro dos vagalhões dos sonhos dos megalomaníacos e oportunistas que nos separam.

E a maioria dos iraquianos, que sem escolha, nunca pediram para ser bombardeados, não votaram para isso, e o são? E os que estão à deriva, de arma ou não na mão, em Faluja, neste massacre democraticamente referendado e aceito?

“Morram. Pois essa é a decisão democrática da maioria dos americanos!”

Mais do que pedir desculpas, as imagens de Sorry Everybody são um contato com o mundo. Um alô para nos lembrar que ainda existem humanos lá dentro. Enquanto outros internalizam o mal, banalizam o mal, espetacularizam o mal (nada menos contraditório hoje em dia do que espetáculo e banal), institucionalizam o mal, agitam bandeirinhas e gritam histéricos “Four more year”, ignorando o mal que infligem ao outro. Estes ignoram o outro. Consiguiremos ser melhores que eles?

Alguém tem solução? O humanismo tem solução para este mundo onde os EUA, sentados em um imenso arsenal nuclear, se arrogam no direito de atacar qualquer lugar da terra, ou pessoa que julgarem ameaça, não a sua segurança, mas ao seu poder? Dos presos sem acusação em Guantánamo, a escalada de mentiras da Guerra do Iraque, alguém dimensiona o que é vivermos, e vivemos, com isto como horizonte e fundamento? Será que teremos saudade da Teoria da Destruição Mútua da Guerra Fria, cuja noção era mais pacífica que a atual, entre guerras preventivas, e perspectivas reais de uso de armas nucleares, pelos Estados Unidos, por estados ameaçados por ele e em ataques terroristas?

Espero que nós consigamos construir laços de humanidade além dos muros, dos loucos ambiciosos, das classes, das raças. Antes, e para que não nos separem os bombardeios e as linhas de combate.

quinta-feira, novembro 04, 2004

O (EXTERMINADOR DO) FUTURO PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS

O futuro presidente dos Estados Unidos é conhecido e admirado no mundo todo. Apesar ou talvez até por causa da sua imagem associada à violência. Pôsteres seus adornam paredes pelo planeta e muitos o olham como um exemplo, passando horas e horas para ficar mais parecido com ele.

A sua eleição, no fundo, impõem por si só terror nos países que queiram desafiar a superpotência, e os desestimula a procurar ter à bomba atômica. Todos já viram como ele lida com terroristas, e como caça seus inimigos até o fim. Mesmo que seja muito mais simbólico que real, mesmo que tenha um que de ridículo, é uma figura que impõem medo.

Pode-se dizer que ele fala mal inglês, tropeça nas palavras, que é um ignorante, robótico, e bronco para entender a dinâmica das relações internacionais, mas vamos falar sério, lá como aqui, tudo isso carrega uma grande dose de preconceito. E se até a pouco tempo atrás todos gostavam dele, era por causa justamente da sua força brutal. Porque mudar de idéia agora?

Acusam-no de ser uma farsa, de ter se feito e construído sua imagem através de ficções, de conflitos fictícios. De que é um ator, e que suas falas não exprimem o que pensa, que não se sabe quem ele realmente é. Que ele só lê os textos que outros escrevem, de forma cuidadosa e calculada, para dar maior verossimilhança as suas histórias e versões.

Dizem, e mostram vídeos para provar, que ele já foi festeiro e que deve ter consumido cocaína. E que é um bárbaro.

Eu estou falando do futuro presidente dos Estados Unidos. Arnold Schwarzenegger. Hoje ele é o nome mais forte dentro do partido republicano para a sucessão de Bush. Imagine daqui a cinco anos, você assistindo na TV, e o presidente Arnold declarando guerra à Síria, Irã, Cuba, França, enfim, a algum país que sobreviva aos próximos quatro anos.

Arnold nasceu na Áustria, e hoje só americanos nativos podem se candidatar à Casa Branca, mas está tramitando no congresso norte-americano uma lei sob encomenda, para permitir que naturalizados em condições semelhantes às dele possam se candidatar. E a maioria do congresso é republicana.

Não é por nada não, pode ser puro preconceito. Mas todos lembram o que aconteceu ao mundo da última vez em que um austríaco se tornou governante de uma potência estrangeira, mais ou menos setenta anos atrás. Para aqueles que não sabem, tem um pôster de Arnold, e adoram seus filmes, ou pior ainda, um pôster de Bush, basta dizer que morreu muito mais gente, mas muito mais gente do que em “Comando para Matar”. E sem nenhum efeito especial.

DICAS DE LEITURA

DICAS DE LEITURA

- Ontem fui à um seminário em torno de um livro da editora em que trabalho, que discutia Edward Said, e a questão da construção das narrativas e dos estereótipos que justificam fundamentalismos e guerras. Por narrativas se quer dizer no sentido amplo, filmes, ficções e também jornalismo. Veja este texto de Larry Rohter. O sujeito pode ter virado um personagem folclórico no Brasil, fazer matérias curiosas e até interessante sobre Hermeto Paschoal. Não concordo em expulsar o sujeito, há de se achar outras maneiras de lidar com ele, mas o fato dele fazer a imagem do Brasil para o mundo, isto é realmente um assunto muito sério e preocupante. Rohter diz que Brasil assusta o mundo com programa nuclear - The New York Times (31/10/2004)


- Tutty Vasquez reclama de não ter assunto e dos furtos entre colunistas. Passatempo: Mártires da falta de assunto


- Adriana Maximiliano no nominimo, sobre os 30 anos da revista especializada em maconha “High times”
Uma maconheira balzaquiana

sábado, outubro 23, 2004

VIAJANDO

Domingo à noite, hora morta, chove lá fora, e eu decido rodar o mundo sem sair do lugar. A turnê começa motivada pela amiga que faz anos não via, que me achou pelo Orkut e pede notícias minhas desde Boulder, Colorado. Mando as poucas que tenho e pergunto as dela. Não sei nada do lugar, exceto que ela mora na “cidade do hotel do Iluminado do Kubrick”. O que soa bem assustador, como se ela tivesse que tomar cuidado com Jack Nicholson empunhando um machado e rios de sangue que jorram dos elevadores do local...

Sigo à viagem com o colega que está em um avião para reencontrar a namorada na Espanha. Desejo sorte, registro saudades e faço uns acertos com ele enquanto o sujeito dorme sobre o Atlântico.

Passo adiante e dou continuidade ao diálogo sobre um livro de Edward Said, que a editora em que trabalho lançou, e que uma amiga em Londres comprou em um seminário em homenagem ao ativista e pensador palestino em Londres, após um ano de sua morte. Aqui, nenhum jornalista deu muita bola para este assessor de imprensa quanto a isso. Tudo bem. Somos muitos e o espaço, pouco.

Decido girar de vez o mundo, e viajando no tempo e espaço, escrevo para um ex-amor, não sei se em Möst, Praga, Liberec ou em que cidade, em que hospital ela anda, pedindo as mesmas notícias que a amiga de Boulder pede para mim.

Com muita saudade da minha namorada, mando aquele texto de Robert Kurz que ela havia me pedido por e-mail, e por algum problema da lista papelotes, ou do seu desmoderado moderador, ela nunca havia recebido (se tem o mesmo problema, não dê reply, mande direto e reclame). Não que ela vá ler nestes dias em que está desbravando, brava que é, o norte da Argentina: Tucuman, Cafayate etc. Brava no bom sentido, para ela não ficar comigo no mau.

Outro alô, e mais notícias, sempre as notícias, da minha irmã que foi morar na Paris para onde todo mundo quer ir, e onde ela foi parar meio sem querer querendo, tendo que agüentar todo mundo dizer que era chique a dura batalha que não tem nada de chique. Dizer que é chique é uma merda de preguiça mental. Quem sabe o que é, sabe que foi sim extraordinário pela superação.

Depois, um contato-convite com pessoa querida da mais exótica e distante das culturas: a carioca. Para que ele venha em mais uma excursão antropológica ao planalto, combater os bandeirantes de merda que aqui residem e votam naquele sujeito com nome do acidente geográfico que nos separa do litoral (deve ser o desejo incosciente de ir á praia que provoca este voto).

Leio na Folha de S. Paulo as notícias que a ex-colega de faculdade traz do debate entre os candidatos à “dono do mundo”, Bush e Kerry, no Missouri, e por telefone, aquele alô para minha mãe que com minha outra irmã aproveita o feriado em Santos, onde do mundo não se decide nada.

Não deu tempo de visitar pessoalmente meu avô em Higienópolis, ele que dizia que ia “correr o mundo”: Guarulhos, Santo André, se não me seguram vou até Diadema. Adiei de novo.

O filósofo esloveno Slavoj Zizek, avisa desde a pequena Ljubljana, que tem grande vontade de vir, mas só pode visitar o Brasil depois de fevereiro. No seu texto sobre uma nova luta de classes, entre as favelas excluídas e comunitárias versus uma nova classe global simbólica, de mídias, universidades e gestores de capital, urbanos/globalizados, com mais semelhanças e referências comuns entre si nos milhares de quilômetros conectados por e-mails, filmes, seriados e aviões, do que com aqueles que fisicamente moram a dois quilômetros deles.

Um rapaz que faz samba e joga basquete, me mostra suas músicas na rua, estilo clássico, talvez até demais, que sonha levar ao “Zeca”, como se falasse em Meca, donde partiriam milagres. O problema é que não tem como ser contatado. Sem telefone, fixo ou celular, sem saber mexer no computador, sem grana para telefonar, sem residência fixa entre aqui e lá. Faz um a cobrar, sugiro, que ligo de volta para onde tu estiver.

Para a amiga de Boulder, que perguntava por onde eu andava, respondi que nas mesmas ruas de sempre, da zona norte da cidade-monstro em que nos conhecemos. Entro na internet e vejo fotos do lugar. As melhores imagens são da viagem da menininha loira Regan, tiradas por Meinhardt Greeff, que deve ser o pai ou mãe dela (Meinhardt é homem ou mulher?), e jogou a excursão familiar para o mundo ver.

Montanhas, lagos, canyons lindos, alces, aquelas pessoas com aquela cara de americanos. Lugar idílico pelas fotos da pequena Regan. Bonito, dá vontade de conhecer.

As fotos me lembraram que as montanhas de Boulder não são apenas o cenário de O “Iluminado” de Kubrick. Partes das mesmas filmagens, de helicópteros sobrevoando uma floresta do início deste filme, foram emprestadas para o fim de outro, a também obra-prima Blade Runner, de Ridley Scott. As mesmas cenas representando em um caso, o isolamento que leva a loucura e ao terror, e no outro, a liberdade, a fuga da opressão em busca de um futuro desconhecido, mas aberto à possibilidade do amor. As mesmas montanhas de Boulder. Questão de montagem? Faz tempo que eu não vejo Blade Runner e hoje de manhã por acaso me peguei com vontade de assisti-lo pela sei lá, 20ª vez. Talvez quando ela voltar da Argentina.

O mundo é complicado, simples, ambíguo, com pessoas querendo controlá-lo e eu sempre atrasado para algum lugar, com algum trabalho estourando prazo. E vasta, muito vasta esta Terra. Sonhar ao menos é de graça. E não têm preço os amigos que caminham por este planeta. A gente vai deixando pedaços por aí, pequenos impactos absolutamente imprevisíveis da nossa presença nos outros, nos lugares. Tudo isso de dentro do meu escritório, na noite mofada de domingo. Com vontade de vadiar pelo mundo livre. Ao menos há a amizade contra a claustrofobia.

domingo, outubro 03, 2004

APOSTAS ELEITORAIS

Estou postando agora, aqui, para registrar antes do resultados das eleições algmas apostas sobre os resultados das eleições paulistanas

Marta X Serra: O Datafolha projeta 37% para serra versus 34% para Marta (o que dá 40% X 37% dos votos válidos). É um empate técnico pela margem de erro. Eu creio que Marta ganhará a votação do primeiro turno por uma vantagem mínima, não superior a 2% dos votos.

Vereadores: O PT hoje tem 18. Acho que sai da eleição com 14. O PSDB hoje tem 8. Acho que sai dela com 11.

Vereadores do PT que devem se eleger (sem order de votação):

1) Arselino Tatto
2) João Antonio
3) Beto Custódio
4) Lucila
5) Carlos Neder
6) paulo Teixeira
7) José Américo
8)Soninha
9) Claudete Alves
10) Chico Macena
11) Donato
12) Nabil Bonduki
13) Irma Passoni
14) Pampa


Eu não conheço todos os vereadores do PSDB, mas acho que Willian Woo, Gilberto Natalini, Carlos Alberto Bezerra, Marcos Zerbini e Ricardo Montoro se reelegem. Quanto a José Aníbal, se elege, mas não acho que será o puxador de votos que o PSDB espera dele. Deve ter uma votação em torno de 150 mil votos.

Quem eu espero que não seja eleito mas deve ser: Milton Leite, Faria Lima (Prona). Espero que Maria Helena também não volte à Câmara.

Vamos checar isso depois das eleições.

sexta-feira, outubro 01, 2004

AAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHH ELEIÇÕES AAAAA NÃO !!!!!!

Para quem não gosta de eleições, ou não mora em Sampa, os papelotes desta semana vão ser muito chatos (ou interessantes). Prometo que está acabando e daqui a pouco largo disso e volto com mais crônicas, humor, dicas de cinema (preciso ir nele para tanto) e música. Por enquanto, minutinho de sua atenção.

Jornalistas não deveriam declarar seu voto. Muito menos três vezes. Será? Ou será que isso é uma versão tapuia, no fundo anti-democrática, do que seria democracia e isenção. Minha democracia ideal não é (auto) repressão ou um calar de vozes. É a multiplicidade de vozes sinceras nas suas diferentes opiniões. Se Trip, Tutty Vasquez,e outros declaram voto, e se a Folha pratica mas não declara o seu, porque não eu posso falar o meu também, no Íbis do jornalismo, o menor veículo de imprensa não prensado do mundo?

Hoje termino a série e certamente esgoto sua paciência. Juro que não fiquei tão chato assim.


ELEIÇÕES 2004 – SAMPA

A parte 4 vêm depois da cinco, e as duas fecham esta série do papleotes. A inversão dos fatores altera o produto, devido ao fato da parte 4 entrar na esotérica discussão do voto nulo na eleição paulistana, que para a maioria dos leitores dos papelotes deve ter o valor do debate do ponto de fervura da rapadura.

PARTE 5 - PEQUENO GUIA TÁTICO PARA VOTAR EM VEREADOR


Muitas pessoas desprezam ou votam de forma descuidada para vereador. Este pequeno guia tenta ajudar a pesarem melhor este voto, que de quem trabalhou lá dentro, tem muita conseqüência, tanta quanto do majoritário. Vou explicar colocando-me como exemplo.


Passo 1 – linhas gerais do voto ou a opção política

Quais são os valores do seu voto? Esquerda e direita, dizem , significam pouco, mas é mais ou menos por aí. Você é a favor ou contra o atual governo? Quem é seu candidato á prefeito? Um voto para alguém que já o apóia pode significar menos fisiologismo. Quais são as áreas prioritárias que devem ser abordadas por um vereador?

No meu caso, apoio o governo com ressalvas, e meus valores são mais próximos do que, para não chamar de esquerda do PT, vamos chamar de “PT old school”, em homenagem ao hip-hop. Dentro da bancada atual do PT, existe uma divisão entre os governistas e a chamada “bancadinha”, formada pelos vereadores de postura mais independente, crítica e “corretiva”, em relação ao executivo. Existe gente que argumenta que isso adianta pouco, que eles no fundo reforçam uma ilusão de um PT que hoje é “centro –direita”, mas eu acho que de fato eles conseguem melhorar o rumo do governo.

Este é o campo do meu voto. PT independente. Não voto na legenda (não recomendo isso), mas o voto para reforçar diferenças de conteúdo dentro do partido e premiar boas atuações. O seu poderia ser “oposição”, ou “vereadores ligados ao Serra”. O campo limita meu voto a alguns nomes válidos e dá sentido à escolha.

Passo 2 –temas e práticas

Dentro do campo político há uma série de temas que acho importante: participação popular (os conselhos e orçamento participativo), planejamento, proteção do patrimônio público, democratização da comunicação, meio ambiente (transporte público acima do carro), apoio e relação com os movimentos sociais, além dos óbvios: saúde, educação. E claro, ser ético. É muito difícil o mesmo vereador abordar de forma aprofundada todos eles. Por isso mesmo, embora o voto meu seja só um, várias candidaturas são votos válidos.

As práticas são como ele atua. A forma do conteúdo. Mandatos que não praticam o clientelismo, atendendo as pessoas de uma maneira séria e não baseada na troca de favores, que promovem o debate, que informam suas atividades, que tem uma equipe técnica bem preparada no gabinete, e que não dizem só “amén”, ou “vade retro”, ao executivo.

Em resumo, são práticas que permitam que você acompanhe e cobre do mandato após a eleição.

Como a vida é cheia de surpresas, preferi dar preferência a nomes que já têm um trabalho estruturado e testado (o que, de resto, não impede surpresas). Reduzi então para votar em candidatos da atual legislatura. “Renovação” é um mantra usado por muitos picaretas. Prefiro reforçar e mostrar que práticas sérias de mandato podem ser bem-sucedidas.

Dentro de uma cidade imensa como São Paulo, os candidatos também se dividem um pouco por “regiões”, lógica importante principalmente na periferia. Eu acredito que com práticas sérias de mandato é possível superar esta questão que para o bem e para o mal, está relacionada com clientelismo e loteamento de cargos em subprefeituras. Mas é um critério para quem quiser que seja, e não necessariamente negativo se acompanhado dos de cima.

É irônico dizer que os critérios acima me deixaram com candidatos de origem e mais relacionados com a classe média, embora com sinceras e grandes relações com os movimentos sociais. Algo para se pensar.

Passo 3 – sua experiência

Na liderança de governo, onde trabalhei, tínhamos um “álbum de figurinhas”, com foto, nome e telefones de cada vereador. Vi o debate e negociações em torno de projetos importantes para a cidade e ouvi pessoas envolvidas em várias áreas do governo e a seriedade de políticos em diversas situações. Meu voto inevitavelmente nasce daí também.

Passo 4 -Intermezzo

Uma passagem desnecessária (pule se tiver juízo). Tenho dois conhecidos de longa data que se candidataram nesta eleição. Um é meu colega de turma da USP, Eduardo Kui, candidato pelo PSDB. Lendo seu site, eu que comecei a trabalhar aos 22, ele com quase metade disso, que não sou casado nem financeiramente bem sucedido, me senti um fracassado no sonho e valores da classe média. Desejo um feliz nascimento para seu primeiro filho. Mas lendo sua proposta tosca, fascista, sobre favelas, me senti assustado com o desconhecimento do tema pelo meu simpático colega de turma que propõe a sua “erradicação” em nome de predinhos Cingapuras, proposta irreal e anti-democrática. Existem sobrados na favela, um comércio próprio e empregos, que seriam arrasados por tal medida. O Cingapura como solução para favelas só satisfaz os preconceitos e a ignorância da classe média que as vê da avenida.

A outra pessoa é a Soninha, pelo PT. Pessoalmente vou votar em um outro candidato, pelos motivos dispostos acima e abaixo, mas a Soninha é uma pessoa que admiro, conheço faz tempo e confio na sua seriedade. Não precisa da política e está com boa vontade entrando nessa. Defende temas novos e alguns até tabus para a esquerda. Quer construir um mandato participativo e diferente. E está consciente donde esta se metendo. É uma experiência boa, para quem quiser votar nela.

Os dois tem algo que parece ser pré-requisito para ser vereador. Todos os vereadores que eu conheci são um pouco (alguns muito) malucos, no bom ou no mal sentido da palavra. Hiper-ativos, insones etc...

Passo 5 – nomes

Vou votar no vereador Nabil Bonduki - 13633. Mais informações sobre ele no seu site: www.nabilbonduki.com.br. Mais do que apenas votar nele, voto na sua equipe, na prática de mandato, que tanto na análise, como na proposição de projetos e alterações em projetos, e práticas de participação e comunicação do mandato, construíram um trabalho excelente que merece ter continuidade.

Se pudesse votar em dois, votaria também em Carlos Neder - 13666. www.carlosneder.org.br . Um político de uma tremenda seriedade e honestidade, ligado à área de saúde, faz uma campanha com poucos recursos e nítida má vontade da direção do PT contra ele. Era o vereador de que se ouvia de jornalistas “ se é do Neder, não tem truque, é coisa séria, pode ficar tranqüilo”. Foi considerado por ONGs o melhor vereador da atual legislatura.

Se pudesse votar em três votaria ainda na Soninha - 13108. www.soninha.com.br Temas novos como drogas, cultura jovem, reciclagem e um mandato que certamente atrairá pessoas para as questões políticas e participação.

Existem outras candidaturas sérias. Carlos Gianazzi, também do PT, defende a educação com unhas e dentes e é bem rebelde, por assim dizer. Odilon Guedes, da região do Jabaquara, é bastante ligado a questões de orçamento e participação. Tem gente que defende o voto em Paulo Teixeira, por conta de questões de “disputa interna” do PT, como contra peso ao poder de Rui Falcão e da família Tatto. Acho discutível, a diferença e a disputa, mas respeito.

Ao indicar apenas candidatos do PT, não quero dizer que são os únicos sérios. É apenas o meu campo. Dentro de outras visões ideológicas, existem políticos sérios (o termo em si já é um tanto relativo) em outros partidos.


PARTE 4 – PARA ALÉM DO VOTO E DESTA ELEIÇÃO (PÓS PT)

Ia escrever só a parte 5. Mas a iniciativa de um grupo de intelectuais (a palavra me incomoda e trabalho tanto com ela), de São Paulo de pregar o voto nulo ou em candidaturas à esquerda da do PT, me força à cair de boca nele. Curiosamente envolve uma série de autores da editora em que eu trabalho. Aos Favres com os escrúpulos de assessor de imprensa e vamos escrever sobre isso.

Pegue este dois textos publicados no site Carta Maior: SP prioriza o social, escrito por Emir Sader. E esta reportagem de Maurício Hashizume, que fala e coloca trechos do manifesto que pede o voto nulo, assinado por ex-petistas, ainda (acho) petistas, e ex-membros do governo: Desiludidos, intelectuais de esquerda optam por voto nulo. Curioso, né?

A opção pelo voto nulo é válida na vida. Embora discorde, admiro os anarquistas que tem uma visão coerente sobre o assunto, e que foram protestar no centro da cidade. Agora, isso vindo de pessoas que sequer ainda se desfiliaram do PT mostra que a raiva contra a traição do partido à sua origem feita pela cúpula do partido anda cegando. Principalmente quando se lê e se ouve de pessoas que defendem o voto nulo de que Serra e Marta são “iguais”, ou de que ficariam mais felizes com a vitória do primeiro, ou de que o PT é o neoliberalismo mais radical do que o PSDB.

A iniciativa e o manifesto seriam “conscientes”. A arrogância de arvorar-se assim é impressionante. Ele não menciona o segundo turno, nem uma postura em relação ao voto para o legislativo (muitos vão votar em vereadores do PT). Eu, que sempre fui tachado (para tirar sarro da minha cara) de anarquista, vejo me de repente com companhias insuspeitas.

Pior: alguns acenam, que no segundo turno, melhor seria votar em Serra, contra o PT, do que em Marta. Quem defende isso pode ter visto que o PT mudou, mas não notou que o PSDB mudou também, estando hoje muito mais à direita. Não notou à disputa que se dá em São Paulo, ainda que “não substantiva”, para quem tem a vida estável de “classe média crítica”, é revolucionária para quem anda de ônibus, ou tem auxílio de um programa da prefeitura. Que existe mais mecanismos de participação, por mais problemas que eles tenham. Que enfim, existe algo para se defender. Não vêm com quem e com que estão se aliando.

O governo de Marta não é simples, nem perfeito, nem ideal. A Articulação do PT fez de tudo, planejou e atuou para encurralar a esquerda a não ter opção e votar em Marta. Isso é triste? É. Mas deu certo por enquanto e não dá para brincar de mujahadin intelectual, a não se que se queira rifar a realidade, como o PCO que acha que bilhete único é medida contra os trabalhadores, realidade talvez já rifada faz tempo por alguns.

O país precisa de opções políticas de esquerda, para ser oposição e/ou opção ao PT. Mas estas opções têm que ser construídas, não são frutos de factóides. O voto inútil nesta eleição não vai ajudá-las, e votar em Marta não vai atrapalhar este objetivo. Neste momento, eleitoreiro, muito mais útil é reforçar as forças à esquerda dentro do próprio PT.

Ridículo é o tom de platonismo, de “República dos Sábios” que deriva de tudo isso. Mesmo sem concordar com a natureza desta palavra, eu não gosto de atacar o termo “intelectual”, em um país com tanta tradição de desprezo ao conhecimento e ao estudo. Meus problemas políticos com ela poderiam ser confundidos com esta truculência. Mas em momentos como esse fica difícil de não se irritar com a arrogância inerente a esta figura social.

domingo, setembro 26, 2004

SUPER-CABEÇÕES IMAGINÁRIA BANDA

Eles foram reunidos sem limitação de espaço, tempo, de estarem vivos ou mortos, de jabá, agenda ou orçamento. Com um objetivo: quebrar tudo, salvando a humanidade através do seu super som! Em tempos obscuros, contra Bush, FMI, Gugu Liberato, a violência, a caretice, a lógica e a lei do silêncio, lá estão eles. Os Super-Cabeções Imaginária Banda. Uma reunião de gênios inspiradores, super heróis da música, capazes de fazer rebolar qualquer quadril, de sorrir qualquer carranca, de parar qualquer guerra, de unir inimigos pela força do groove.

Reunidos por um ser misterioso que nenhum deles conhece, a liga é coordenada não por uma, mas por duas cabeças brilhantes, maestros que orquestram as estratégias da super equipe. Tom Jobim é o homem das missões mais delicadas, do jeito fino suave e discreto da bossa nova de se infiltrar pelos cantos mais perigosos, de passar pelas menores frestas, rolando macio e te pegando pelos pés e pela cabeça. Altamente consciente e integrado a natureza, conhece o canto dos pássaros para emocionar o coração e embalar a tardinha que cai. Isaac Hayes, literalmente uma cabeça brilhante, é o homem dos metais poderosos, especialista em operações noturnas, na balada lenta ou nas pancadas dançantes, solta a banda para missões nas grandes metrópoles internacionais, nos inferninhos do bem e do mal, no melhor estilo blaxploitation.
Os músicos de confiança destes senhores seguram a cozinha da coisa, não deixando o molho desandar. Na bateria, o homem polvo que vale por três, o som original da mãe África, onde tudo começou e para onde tudo retorna, mandando andamentos velozes, quebrados e complicados. Diretamente da Nigéria, Tony Allen.
No baixo, vocês o conhecem do clip do Dee Lite, o homem dos óculos que vêem estrelas. Mas muito, muito antes disso, ele já dava a linha para James Brown e outros papas do funk dançarem. Bootsy Coolins.
Na percussão Naná não nana não. E na cuíca, ele, que não se atrapalha e faz da suas risadas quase um ritmo adicional na pegada. Contra qualquer mau-humor, Mussum, o Original. Nele o samba, a birita e o bom humor pedem passagem.
Bota duas camadas, entre piano e teclado por cima disso. Mas bota pra pirar de vez mesmo. Aí chamaram os caras certos. No teclado Herbie Hancock leva um debate incompreensível para qualquer ser humano normal com a sua contraparte no piano, o velho e bom João Donato. Exposição excessiva a esta combinação mortal, ou tentar acompanhar suas notas de muito perto sem a proteção apropriada, ocasiona insanidade permanente. Verdadeiras melodias de criação em massa partem destes 20 dedos.
Na guitarra, não havia de haver outro capaz de segurar o bixo. Pondo fogo (literalmente) nas apresentações, ele que deixou a paz eterna para se juntar ao grupo: Jimi Hendrix. “Mesmo em um grupo como o nosso, Hendrix é um tipo especial” afirmou Hancock ao jornalista Hunter Thompson, que como free-lancer foi o único credenciado a acompanhar o grupo. As credenciais foram negadas a Oriana Fallaci e Norman Mailer, mas estão reconsiderando no caso dele.
O naipe de metais é também um duo, que faz um som do além. Oberdan Magalhães, o homem que juntou funk e samba no seu sax. E quem no trompete? Só poderia ser ele: Miles Davis. “Hey Hendrix, finalmente vamos fazer aquele disco juntos”, comentou ao chegar no primeiro ensaio. Ensaio é modo de dizer, que eles são que nem o Romário; pra que treinar se eles já sabem, ou melhor, nunca planejam o que fazer no próximo movimento desta jam brilhante?
O grupo não parou no tempo e colocou o hip-hop para ferver com um DJ e um MC. Muitos quiseram entrar na parada. Mas “ele”, a força por detrás do grupo, decidiu ir pelo “hip-hop old school” de Afrika Bambaata nas pick-ups e Chuck D do Public Enemy para soltar ocasionais e poderosos discursos rimados. Afinal esta é uma banda politizada.
A parede sonora tem sua linha de frente, a infantaria vocal, formada por duas colunas de três membros, uma feminina, outra masculina. Ás damas primeiro. Da fria Islândia, ela é pequena, ela é exótica, ela é Björk. Direto do Planeta Fome, ela tem energia, ela faz graves, médios e agudos, ela é do balacobaco, ela não é Ella, mas é Elza! Soares! E a principal vocalista é a Pelé da voz, com ritmo, carisma, técnica e emoção. Personalidade forte e geniosa comparável apenas ao líder de palco do grupo, arranca rabo nos ensaios mas é imprescindível e querida por todos. Elis Regina.
Do outro lado, os acompanhantes das ladies. Ele é um cavalheiro, ele é a voz, o charme e o estilo. Marvin Gaye, a voz divina. Ele é baderneiro. Fornece o bagulho, desanca o técnico de som e às vezes nem aparece. É o Tim Maia. Quilos e quilos de emoção e dá para ver que ele está feliz, que se sente bonito estando junto de um grupo desses. Ele não tem técnica vocal. Ele permanece a maior parte do show preso em uma jaula, amordaçado para não desafinar o conjunto. Mas aquele pequeno e impertinente inglês é um mal necessário e no fundo, bem no fundo, boa gente. Uma espécie de Wolverine dos super-cabeções, sem técnica nem groove, solto de vez em quando sob um solo de bateria para ir direto na jugular do inimigo com sua fúria selvagem e depois ser dominado apenas por Tim e Afrika se jogando em cima dele. O punk da banda. Há quem diga que não há lugar para ele em um grupo desses. Há quem diga que é apenas uma jogada de marketing. Mas ninguém tem coragem de dizer isso na cara dele. O ensandecido e incontrolável Johnny Rotten.
No palco, liderando esta patota, só poderia ser ele. Dizem que as três vocalistas agora são suas esposas. Dizem que ele assustou Jonnhy Rotten, que Hendirix achou-se careta, que Hancock não güentou uma de suas maratonas de shows de seis horas e que Bootsy Collins perdeu-se dele nos seus contratempos rítmicos. Completa o grupo, ou melhor o grupo não fica completo sem ele. E é o espírito mesmo. Nos vocais, piano e sax (quase todos ao mesmo tempo) dos super-cabeções, o homem que fez da música arma de guerrilha, e que com ela fundou um país. Do passado ao futuro, ninguém fez letras de protestos mais porrada, grooves mais dançantes, pele e sangue torturados transformados em som. O homem que não pode morrer, porque tem a morte em seu nome. O presidente negro. Fela Anikulapo Kuti, direto da República de Kalakuta.
Estes são o Super-Cabeções Imaginária Banda. Mas quem são seus inimigos? Quem juntou os super cabeções e por que? Quais serão seus álbuns? Onde será o próximo show? Quem ficou de fora e gostaria de entrar? Porque João Gilberto recusou o convite de ser um membro? Será que todos sobreviverão ao show que farão em frente à Casa Branca?
A resposta para esta e outras perguntas virão em um outro episódio, se vierem, em outro dia qualquer.

O BRASIL, O PATRIOTISMO O ABSTRATO E A PAREDE

Este texto nasce de algumas perguntas. O Brasil está dando certo ou errado? Ou o Brasil já deu certo? Ou o Brasil já é uma terra condenada a dar errado, que já era?
Na semana de sete de setembro, o Brasil, o governo, a Veja, o Buzina MTV etc...discutiram o patriotismo, o país, a independência X a missão do FMI. Chego atrasado. “Esta pauta já foi, não podemos repetir o assunto, agora só daqui três meses”, hão de dizer.
O debate rolou em torno da vontade do governo Lula de reanimar o sentimento patriótico. Apanhou muito, foi comparada a ditadura etc...Mas não é exatamente disso que quero falar.
Tem aquela frase da pátria ou o patriotismo ser o último refúgio dos canalhas, dos covardes, dos infames, algo assim. Concordo com este algo assim. Vide Bush, e é mesmo. Refúgio também de grandes negócios enrolados na bandeira. Outra frase boa relacionada é que guerra são pessoas que não se conhecem e se matam em nome de pessoas que se conhecem e não se matam. Opõem as relações dos ricos dos muitos países que jogam os pobres dos seus países uns contra os outros. Mas o patriotismo nem sempre é o refúgio dos covardes. Ás vezes é sincero e bonito, principalmente quando não parte dos mandatários nem se exige que se morra ou mate por ele, e quando não descamba para rejeição do outro, do estrangeiro. Mas novamente, não é do que eu quero falar. Chego lá.
Discute-se muito, o Brasil é isso, o Brasil é aquilo. Existem os ufanistas, os nacionalistas, existia o Brizola, tem a frase do João Gilberto (Fazer Brasil é coisa séria), existiam e existem pessoas obcecadas com a idéia de um projeto nacional, e contraditoriamente, embora concorde com os parágrafos acima e com a noção anarquista do homem acima das fronteiras e da violência inerente ao Estado, as vezes no meu canto inútil, gosto de pensar nisso também.
Cheguei no que quero escrever sobre.
Houve uma idéia de país a ser construída, do que o constitui, que foi sendo feita da semana de arte moderna, da adoção do Samba, dos departamentos de propaganda do Estado Novo, da construção de Brasília, Bossa Nova, cinema novo, industrialização, antropofagia e tropicalismo, ditadura militar, futebol e a costura da infra-estrutura comunicacional do Oiapoque ao Chuí, pela Globo.
Esta idéia de nação é cheia de contradições, desconstruções (tropicalismo), “modernizações conservadoras” (Bahia de ACM e a já citada Globo), “modernização conservadora afrancesada com pretensões hegemônicas paulista”(USP), e idéias que balançam, que são, ao mesmo tempo, objetivos e resultados bonitos no seu lado bom e hipocrisias concretas que dissimulam problemas no seu lado ruim. A principal delas é a democracia racial. Outra mais cínica e que foi reforçada com a chegada de Lula ao poder é a da fácil mobilidade social.
Estas idéias se discutem até hoje. O Brasil como idéia abstrata é facilmente manipulável, campo de disputa, cabo-de-guerra. É impressionante com que facilidade se diz que o Brasil é isso ou aquilo, que se sabe o que é o Brasil. Tema de Diogo Mainardi quase toda semana, em bater nesta idéia de país, em classificá-lo como inviável, um fracasso por natureza, sem explicar muito o porque disso. O homem, que escreve bem paca, provoca melhor ainda, talvez faça disso até sincera e bem remunerada profissão de fé. Mainardi bate porque é patriota, porque acha que esta é a sua melhor função. Provocar, criticar, destroçar a auto-estima nacional para ver se ela se move. É uma visão otimista e simpática do personagem, né? Veja bem, o sujeito escreve bem, e bem-sucedido, e eu não, tenho que guardar algum respeito (Rá! Rá!)...
Este Brasil abstrato que o governo faz campanha em cima, que o Galvão joga contra a Argentina, que tem gente que diz de que não se pode falar mal e tem os que só falam mal etc... Discutir o país assim me parece entre o estágio de formar uma idéia de nação e completá-la, ser esta nação algo natural, madura.
Primeiras modestas respostas, ou não respostas, às perguntas do começo do texto. O Brasil não deu certo, não haverá um dia que “deu certo” e acabou, podemos todos ir para a praia tomar caipirinha, como talvez a esquerda tenha parcialmente pensado (parte dela e parte da cabeça de quase toda) com a vitória de Lula. A vida continua e é contínua. E enquanto não estivermos com tanques americanos nas nossas ruas, como o Iraque, o Brasil não deu totalmente errado.
Mas a segunda leva de resposta é mais importante que à acima. O Brasil dá certo. Todo o dia. E dá terrivelmente errado. Todo o dia. Porque o Brasil não é uma simples entidade abstrata que dá para discutir fácil assim. E a vida de um território e daqueles que carregam esta identidade a gosto e a contragosto. Dá errado para muitos, certo para alguns. Dá certo naquela festa, naquele emprego, errado na violência policial, desigualdade, racismo. Tem muita coisa que dá errado que temos que consertar. E que dá certo, inclusive algumas coisas que dão mais certo aqui que em qualquer outro lugar, que temos que reforçar.
O país existe como uma parede existe. Temos que lidar com ele e somos tratados como brasileiros. Quando saímos do país vemos que temos características próprias, diferentes. Parte do nosso complexo subdesenvolvido é lidar com ele de forma tão abstrata, como se pudéssemos alterá-lo só na base da idéia, do verbo, ou nestes tempos Duda, na propaganda. O que nos afasta e impede de tratá-lo de forma real, das questões e disputas reais.
Terceira, para Mainardi, um ponto fundamental que discordamos, tenho a impressão, é que ele acha que o Brasil é como é porque deu errado. O país seria um desastre construído pela sua imbecilidade. E eu acho que o Brasil é o que é porque foi um projeto errado de meia dúzia em benefício próprio (parte desta meia dúzia costuma freqüentar as páginas do mesmo semanário onde Mainardi escreve), que deu e segue dando muito certo para eles e ruim para os outros. Ele acha que é homicídio culposo (na realidade que é culpa da vítima) e eu que é doloso. Uma diferencinha básica.
Lógico, que aqui, como na Venezuela que é o exemplo mais claro, tem setores que de fato jogam contra o país, porque seus interesses e identidade estão ligados à exploração deste canto subdesenvolvido (particularmente aos dos EUA), e dos pobres deste país. E claro que em um mundo complexo, a relação com estes setores não é simples, já que o poder econômico ligado a eles é capaz de restringir, fazer chantagem, isolar e retaliar o poder do estado (são quase o mesmo) e a população.
Num parágrafo mais chato, mas talvez a disputa hoje seja exatamente esta, e é lógico que privilegiar o capital financeiro que pode sair do país em um clique, é menos construção nacional do que privilegiar os trabalhadores que tem laço e constroem o país e sua vida nele. Hoje decidem a taxa de juros.
Mas para encerrar este papo em cima, a quarta rodada de resposta é o sublime resumo de tudo isso, pelo artista Tom Jobim, que depois de dizer que “a saída da música brasileira é o aeroporto”, no que talvez siga tendo razão, cunhou esta maravilha.”Os Estados Unidos é bom, mas uma bosta. O Brasil é uma bosta, mas é bom”. No campo das definições abstratas do Brasil, acho difícil algo melhor que isso.

quarta-feira, setembro 15, 2004

A HOMEPAGE DA VIDA PRIVADA

A tecnologia é pródiga em resolver problemas que não existiam antes dela. A frase é e feita, mas que o digam aqueles que fazem fortunas com anti-vírus. E é prolífica também em gerar uma série de novas questões de semântica e etiqueta. Além de ser muito boa para imprimir etiquetas.
Óbvio que o principal disso gira em torno do Orkut, assunto espancado de tão batido. Surpreso que ele ainda não tenha aparecido em algum discurso patriótico do Lula, como símbolo da nossa superpotência, a hegemonia territorial sobre o mundo das amizades virtuais.
Então, o que significa hoje ser ou não ser “amigo”, “friend”? Chandler, Monica, Ross, Rachell, Phoebe e Joey? Aquele cara que você não lembra quem é, mas vai aceitar porque não sabe dizer, no caso clicar, "no"?
Os corredores de fotos do Orkut me lembram a imagem de pessoas nas janelas de uma cidade do interior, fofocando da vida uns dos outros, olhando o movimento na rua. Todos se conhecem, um pequeno centro antigo de uma cidade histórica de Minas, onde as pessoas comentam que fulano é amigo do sicrano, está solteiro, tem uma queda por Lisbela, admira muito o comendador, mas que o filho da vizinha anda com um pessoal esquisito que gosta de um tal de Bob Marley e que queima um mato esquisito. O Orkut tem de desvantagem da fofoca mineira que nele não acompanha pão-de-queijo.
Maria Creusa, 32 anos, solteira, tricota. “Quem acredita nesta história de open relationship?” Eu fiquei espantado, com as liberalidades de certos casais, que me pareciam tão conservadores. O outro me passa a senha. “A mulher dele não sabe nem o que é enter, e toda vez que falam em Orkut, ela procura na seção de laticínios para comprar para as crianças.” Nelson Rodrigues de certo haveria de amar o Orkut, os chats de sexo virtual, os serviços orais por telefone. Talvez muito onanismo e pouca ação, menos ainda traição e reação para fazer deles tema de uma peça batuta, um enredo batata, mas vivemos na era da fama mais do que de deitar na cama.
Se o namoro acaba, para todo mundo ver, vai deixar de ser commited para ser single? Colocar “dating (wo)men”? Mudar a orientação sexual? Vai publicar sua vida privada? Quer falar disso em um scrap? Tirei a questão do meu questionário.
Ás vezes dá vontade, dá saudade, quando sonho de liberdade era não ter que dar satisfação para ninguém. Sem identidade, sem destino, sem endereço. Real ou virtual. Ao menos dar-se o luxo de poder ser discreto.
E afinal, quanto tempo é elegante esperar antes de pedir para gravar o CD que você não tem e deu para o amigo de aniversário?

quarta-feira, setembro 01, 2004

Jornalistas movem cinco mil ações trabalhistas em SP

por Débora Pinho e Priscyla Costa* Consultor Jurídico Tempos difíceis As empresas jornalísticas de São Paulo respondem a 5.408 reclamações trabalhistas movidas por seus ex-empregados. Desde 2001, foram demitidos pelo menos três mil jornalistas no estado, segundo o presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Fred Ghedini. Muitas dessas demissões, afirma ele, foram convertidas em outro tipo de contratação. O jornalista trabalha como empregado, mas recebe como pessoa jurídica. O desemprego e a avalanche de reclamações trabalhistas resultam da crise pela qual passam as empresas. A vertiginosa queda no volume de anúncios publicitários quebrou a espinha dorsal das empresas. No caso mais recente, o Jornal do Brasil, a Gazeta Mercantil e o InvestNews deflagraram uma onda de demissões, que deve atingir 80 funcionários das redações espalhadas pelo país. A Folha de S. Paulo também passou a tesoura na folha de pagamento no mês passado. Foram 200 demissões. A crise desemboca direto na Justiça do Trabalho. Anteriormente, o mesmo ocorreu em O Estado de S.Paulo, na revista Época, nas Organizações Globo e em quase todas as empresas do setor. O fenômeno afeta a capacidade noticiosa da imprensa, tende a reduzir a quantidade e a qualidade das notícias e atenta contra o inciso XIV do artigo 5º da Constituição Federal, onde "é assegurado a todos o acesso à informação". Avalanche de ações A revista Consultor Jurídico fez um levantamento no Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo de processos movidos por ex-empregados de empresas de comunicação. A Gazeta Mercantil lidera o ranking de ações trabalhistas com 1.853 reclamações.
O segundo lugar fica para a Rede TV, que herdou diversos pepinos da TV Manchete. A emissora tem 876 ações e discute na Justiça se é ou não sucessora da dor de cabeça. O jornal O Estado de S. Paulo está em 3º lugar com 850 processos. A Editora Abril aparece na 4ª colocação com 454. E o SBT está em 5º lugar com 216 reclamações. (Veja o ranking das 15 empresas de comunicação mais acionadas) O levantamento do TRT paulista é referente a processos da capital, da Grande São Paulo e da Baixada Santista -- maior parte em primeira instância e alguns em segunda instância ou até mesmo no TST. A pesquisa exclui da base de dados os processos arquivados, devolvidos, transferidos, cancelados e incompletos. Os números levantados pela revista ConJur podem apresentar diferença quando confrontados com dados das empresas, já que na estatística também são computadas as cartas precatórias referentes a ações de outros estados. No ranking não é considerado o número de empregados das empresas. Em baixa O jornalista Alberto Dines lembra que a imprensa perde qualidade com a crise. "As empresas de comunicação começam a contratar terceirizados que trabalham por tarefa contrariando o espírito jornalístico", diz. Segundo ele, o jornalista precisa ser "full time" e essa terceirização acaba com o jornalismo como atividade integral. Para Dines, a baixa qualidade do jornalismo acaba mascarando o padrão de exigência de alguns leitores, que não percebem mais os erros -- porque se acostumam com eles -- e passam a não exigir o bom jornalismo. Outros leitores encontram outro caminho quando percebem a queda de qualidade: trocam de jornal. Inferno astral O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo cuida de cerca de 600 processos trabalhistas e atende, em média, 350 jornalistas por mês. No último relatório feito há um ano, o Sindicato tinha colecionado 102 decisões favoráveis e oito derrotas em primeira e segunda instâncias. A advogada do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Silvia Neli dos Anjos Pinto disse que 90% dos casos que chegam à entidade são sobre vínculo empregatício. "O empregado é contratado como pessoa jurídica e trabalha como subordinado. Na hora em que é demitido, a empresa jornalística o trata como pessoa jurídica para evitar pagar direitos trabalhistas", disse. A advogada tem notado uma tendência pior nos últimos cinco anos nas reclamações trabalhistas. Antes, a maior briga de jornalistas era por horas extras. Hoje, a falta de vínculo empregatício é o principal problema, de acordo com ela, apesar de o pagamento de horas extras continuar na lista de reclamações. O diretor executivo da Associação Nacional de Jornais, Fernando Martins, se manifestou sobre o assunto. "Suponho que o vínculo empregatício não deva ser um grande problema para os donos de empresa, que nunca trouxeram esse debate para a ANJ", disse. Confira a classificação das empresas, o número de ações e o que dizem os advogados

1º lugar -- Gazeta Mercantil -- 1.853 "A Gazeta Mercantil passa por um processo de reestruturação desde o final do ano passado. A empresa vem compondo seu passivo gradativamente, ou seja, fazendo acordos na medida do possível para poder honrar seus pagamentos. Ela precisa de um prazo maior para pagar os débitos trabalhistas porque também tem uma série de obrigações cotidianas. O tombo da Gazeta Mercantil é maior porque é o maior jornal. Assim, o fluxo de caixa gera um buraco maior. A Gazeta Mercantil tem o maior volume de processos trabalhistas porque é o mais antigo. Há vezes em que, mesmo com o pagamento dos direitos, o empregado recorre à Justiça. A maior parte dos processos da Gazeta Mercantil é de gráficos que querem horas extras e verbas rescisórias complementares". (Jeremias Alves Pereira Filho, advogado da Gazeta Mercantil.)

2º lugar -- Rede TV -- 876 "A Rede TV tem hoje 105 processos com acordos em andamento e 231 já pagos. Existem 540 ações trabalhistas contra a TV Ômega. Desse total, há 248 processos da TV Manchete e 292 da Rede TV. A questão sucessória da TV Manchete está sendo discutida na Justiça. Em Barueri, a 1ª Vara entende que a TV Ômega não é sucessora da TV Manchete. Já para a 2ª Vara, a TV Ômega é sucessora. Há decisões de segunda instância nos dois sentidos. A Rede TV tem hoje radialistas, jornalistas e empregados que trabalham em função administrativa. Radialistas e jornalistas têm jornada de trabalho flexível. É difícil o controle de jornada pela empresa. Essa jornada flexível leva jornalistas e radialistas para a Justiça para reivindicarem horas extras. Há banco de horas informalmente, mas a Justiça não o reconhece. E não existe entendimento da empresa e sindicatos para se chegar a um consenso sobre o assunto. Também há advogados que exageram e fazem os trabalhadores pedirem mais do que têm direito para aumentar seus próprios honorários em caso de vitória. Em alguns casos, chegam a pedir 30% de honorários". (Betina Calenda, advogada do departamento jurídico da Rede TV)

3º lugar -- O Estado de S.Paulo - 850 "O grande acréscimo de processos trabalhistas ocorreu porque tivemos de encerrar várias terceirizações, esse ano, principalmente na área de distribuição. São processos movidos por empregados de distribuidoras. Desses processos, somente 5% são de jornalistas que pedem horas extras. A empresa tem contratos em que pactua 5 ou 7 horas diárias. O número de ações na Justiça do Trabalho aumentou porque, antigamente, as pessoas tinham receio de entrar com processo na Justiça. Hoje, o empregado já sai com essa predisposição. E isso é incentivado pela própria Justiça do Trabalho, que não tem sucumbência. O empregado aceita correr qualquer risco e o que vier é lucro. Há reclamações absurdas, às vezes." (José Luiz dos Santos, advogado do departamento jurídico trabalhista do jornal O Estado de S. Paulo)

4º lugar -- Editora Abril -- 454 O escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva, responsável pela área trabalhista da Editora Abril, preferiu não se manifestar sobre o assunto.

5º lugar -- SBT -- 216 "Não são 216 ações e sim 137 que tramitam na Justiça desde 1996 até este ano. São referentes a horas extras e acúmulos de funções. Com certeza, o SBT não ocupa o quinto lugar no ranking". (Ulda Toledo, assessora de imprensa do SBT)

6º lugar -- Rádio e TV Record - 215 "Não temos 215 reclamações trabalhistas e sim 155 ações ativas. As reclamações trabalhistas mais comuns de funcionários da TV são sobre diferenças de horas extras. A Record sempre pagou todos os direitos e verbas trabalhistas de seus empregados. A maioria das reclamações movidas pleiteia diferenças de horas extras (no entendimento dos reclamantes), ou seja, verbas controversas que dependem de prova pelos reclamantes". (Simone Cosme, diretora Jurídica e de RH da TV Record)

7º lugar -- Editora Globo -- 203 A advogada da Editora Globo, na área trabalhista, Amanda Marim de Oliveira, não quis se manifestar sobre o assunto. Alegou que as informações são sigilosas.

8º lugar -- Rádio e TV Bandeirantes -- 178 O escritório Camargo de Moraes Assessoria e Consultoria S/C -- que representa a TV Bandeirantes na área trabalhista -- não se manifestou até o fechamento desta edição.

9º lugar - Folha de S.Paulo - 145 "Pelo número de funcionários, é normal que a Folha responda 145 processos. A maioria das ações é de funcionários das empresas que prestam serviços para a Folha e o jornal entra no pólo passivo. Os outros são de funcionários que pedem horas extras, como operadores de telemarketing, por exemplo, ou jornalistas que querem vínculo empregatício e equiparação salarial".(Reginaldo Carlos de Araújo, gerente geral de relações trabalhistas e sindicais do departamento jurídico da Folha de S. Paulo).

10º lugar -- TV Gazeta - Fundação Casper Líbero - 145 O departamento jurídico da TV Gazeta não quis se manifestar sobre o assunto.

11º lugar -- TV Cultura - 132 "O departamento jurídico da Fundação Padre Anchieta apurou 100 ações, entre o período de 8 a 10 anos. Pelo número de funcionários, aproximadamente mil, a demanda de ações é completamente normal. Dessas ações, 70% dos casos pedem reintegração. Mesmo assim, a Fundação Padre Anchieta, em primeira instância, foi vencedora em todas elas". (Osmar Franco, advogado do departamento jurídico da Fundação Padre Anchieta).

12º lugar -- TV Globo - 98 O escritório Robortella Advogados -- que representa a área trabalhista da TV Globo -- não se manifestou até o fechamento desta edição.

13º lugar -- Editora Três - 32 O departamento jurídico da Editora Três preferiu não se manifestar sobre o assunto.

14º lugar -- MTV - 6 "Essa classificação é uma vitória. Isso significa que a MTV é uma empresa absolutamente correta. São 200 funcionários efetivos. Três desses processos são de funcionários terceirizados e a MTV acaba entrando como pólo passivo. Os outros são da área de engenharia -- câmera e pessoas responsáveis pela parte elétrica -- ou ainda funcionários contratados para projetos especiais como acústico, programas de verão que, na maioria das vezes, pedem vínculo empregatício. Mesmo assim, em 2003 e 2004, a MTV não sofreu nenhuma condenação". (Lara Andrade, advogada do departamento jurídico da MTV Brasil).

15º lugar -- Valor Econômico - 5 "O Valor Econômico sempre tentou ter 100% de seu quadro de funcionários regidos pela CLT. O departamento jurídico do Valor, junto com o departamento de recursos humanos, sempre tomou cuidado com todas as áreas, inclusive as terceirizadas e por isso busca a contratação mais correta. Para isso, trabalha diretamente com toda as áreas do Valor Econômico explicando as regras e os possíveis riscos de uma contratação. Isso acaba limitando o número de ações trabalhistas. Das cinco ações que o Valor responde no TRT-SP, um ou dois casos são de funcionários que pedem a revisão de um benefício que alegam não ter recebido. As demais são ações do quadro de terceirizados e o Valor acaba entrando como segunda ré da ação. Durante os quatro anos de Valor Econômico, nenhum jornalista processou a empresa". (Daphne M. Sancovsky, diretora de assuntos jurídicos e de recursos humanos do Valor Econômico).

*Débora Pinho é editora-chefe e Priscyla Costa é repórter da revista Consultor Jurídico Publicado originalmente na Revista Consultor Jurídico, 27 de agosto de 2004 Fonte: O Jornalista

ELEIÇÕES 2004 – SAMPA – A IMPARCIALIDADE E EU

PARTE 1 – LUGAR É DONDE ESTÁ E DONDE SE VÊ O MUNDO
Prometi semana passada, cabe cumprir, escrever sobre as eleições 2004, antes que seja tarde e as mesmas passem. Não tenho como ser, ou vestir a camisa do “imparcial”. Criamos uma situação onde a eleição se torna o espaço onde justamente não pode haver debate político. De um lado, o discurso publicitário do bom mocismo, da busca do centro, da não ofensa ou da ofensa sistemática, de dizer o que querem ouvir. De outro a ficção da imparcialidade jornalística que tenta se colocar acima, mas não só não se coloca, como por fim nega a legitimidade das diferenças de projeto, dos diferentes interesses de acordo com classes sociais e questões específicas, e do conflito entre esses. No fundo, embora creiam ser, publicidade e (in)certo jornalismo, antagônicos, andam de mão dadas, completam-se e em parceria escondem, e repito, deslegitimam as disputa reais que estão em jogo nesta eleição de São Paulo. Esmagam o dissenso.


Prefiro tentar vestir a honestidade das minhas dúvidas, opiniões, posições e relações. E daí explicar os porquês dos meus porquês, na eleição majoritária e para o legislativo, assim como o senão e os limites das minhas posições. E aí, espero ser mais maduro que a palhaçada média. Vou começar da minha posição.

Tenho relações com o atual governo do PT. Lembro que na época do Pitta, não conhecia ninguém que trabalhasse na prefeitura. E que quando ia a debates que discutiam a cidade, não havia representação da mesma, e que muitas vezes o debate se dava como se a prefeitura fosse uma entidade isolada inacessível. E não eram estes debates necessariamente tocados por pessoas de esquerda. Terceiro setor e universidade se sentiam assim. A prefeitura não tinha legitimidade. Nem ela queria fazer parceria, nem as pessoas queriam ter com ela.

Hoje conheço várias pessoas que trabalham na prefeitura. Da minha geração do movimento estudantil universitário, grande parte dela trabalha em governos ou gabinetes do PT, muitos na prefeitura. Obviamente isso influi na minha percepção do governo. Tanto porque são pessoas próximas (minha irmã trabalha em um projeto da prefeitura na área de Teatro) como por achar que são pessoas que realmente poderiam e deveriam estar trabalhando na área pública, e que tem emprego e até onde sei trabalham de fato, como eu também de fato trabalhei quando estive em um gabinete de vereador na liderança de governo. São pessoas que se optassem por outro caminho na vida, uma carreira de mercado, profissão de mercado, certamente seriam bem sucedidas.

Você pode saber onde uma dessas pessoas trabalha pela crítica que as mesmas tem da área de governo onde trabalha, que não funciona da forma ideal, da falta de capacidade para lidar com todas as imensas demandas da cidade. Ou seja, provavelmente a maioria deles não acha este governo perfeito. E de fato, não é. Por exemplo, não quero dizer, ou fazer parecer, que todos os indicados na prefeitura tenham o mesmo perfil, ou que não tenha problemas nas indicações. Estou falando do grupo que tenho contato. Ao mesmo tempo sei que há pessoas indicadas que se divertem gabando-se de trabalhar pouco, o que pode ser verdade ou galhofa. As coisas são complexas, ainda mais na gestão de uma máquina de milhares de pessoas, cada uma delas em si, complexa. O moralismo extremo e em geral histérico gerou à esquerda o mito do “PT perfeito” e à direita desboca no autoritarismo, e/ou na facção de direita, se é que hoje ainda é facção, do PSDB paulista

Quero pular fora deste primeiro ponto, que não é tão importante e um tanto enfadonho, mas quis iniciar para “resolvê-lo” e seguir em frente. Acho que existe, dentro de um governo muito maior e questões muito maiores, um grupo grande de pessoas que com falhas e senões, tem uma visão de função pública e tentam fazê-la valer. Talvez valesse mais ter essas pessoas construindo opções melhores e formas melhores de políticas públicas de longo prazo a partir da crítica, ou pressionando o governo através da oposição. Talvez não sejam jovens com difusos ideais de esquerda tentando acumular experiência e aplicá-los nas oportunidades possíveis, mas sim jovens burocratas acomodados na máquina porque não tem coragem de um enfrentamento mais radical. Talvez um pouco dos dois, ou depende da régua, nada é tão simples.

Saí do governo por opção própria, para ganhar um salário bem menor, e não tenho intenção de voltar. Meu trabalho era puramente político, parte do embate sem um papel público direto, mas com o indireto de “escudar” o governo que até meus amigos de fundo anarquistas que certamente anularão o voto, conseguiram ter parcerias e diálogo em projetos com os telecentros. Mas não era o que queria para mim. É inegável, que comparado ao descrédito do governo Pitta, houve na gestão Marta uma recuperação da mesma como instituição.

PARTE 2 – PARA ONDE

Por mais que eu discorde do governo, e por mais que ache limitado o papel do voto, e limitante a democracia passiva que se traduz apenas no voto, há uma situação concreta com conseqüências concretas para muita gente.

Eu simplesmente tenho mais simpatia e identificação por projetos de esquerda, ainda que hoje a esquerda não tenha grande simpatia por si mesma. Vou evitar o “saúde, educação, emprego”, que ocupam o discurso de todos os lados, ninguém no discurso vai se opor à isso, ainda que na prática o faça, e que em todos os partidos pouco se empenham e compram as brigas necessárias para conseguir estes objetivos. As polêmicas são assim mais interessantes. No caso de São Paulo, por esquerda, impostos progressivos ao invés de incentivos fiscais, para que estes financiem ações sociais, prioridade para equipamentos de saúde e educação na periferia, não a privatizações, instrumentos diversos (conselhos, coordenadorias) de participação popular, transparência, moradia no centro da cidade, diálogo e discernimento na questão (urbanização e geração de renda) das favelas, combate à especulação imobiliária, planejamento urbano como instrumento de desenvolvimento, mais espaço para o transporte público contra o carro particular, valorização do espaço público e independência em relação aos interesses econômicos, baseando seu apoio político na população. Fora valorização real de saúde, educação e políticas de emprego e vocação econômica. Ah, e um governo que tenha coragem de enfrentar a visão egoísta e empedernida que a classe média e alta tem da cidade.

O governo Marta significou isso? Pouco, parcialmente, e muitas vezes foi o contrário disso. O segundo governo Marta vai ser melhor nisso? Sinceramente, acho que não. Quando se vê uma proposta como o “CEU Saúde”, que nasce da cabeça não de especialistas e movimentos de saúde, mas de um publicitário e que depois o governo vai ser obrigado a implantar, seja boa ou seja ruim, isso é sinal do que o PT está se transformando e transformando seus processos internos, para cada vez pior.

Mas há uma situação concreta e uma opção concreta do PSDB do outro lado. Para confrontar o PT, o PSDB cada vez mais se aproxima da direita (vide o Secretário de Segurança do estado) e goza de imunidade perante a imprensa, o que cria um ótimo ambiente para autoritarismos, escândalos e pouca prestação de contas. Vou dar dois exemplos. O governo Alckmin cansou de anunciar que iria construir um centro de formação de jovens onde funcionava a Casa de Detenção do Carandiru. Um belo dia disse que não ia mais fazer isso e deixaria ali apenas uma área verde, o que seria mais “útil”. E claro, bem mais barato para o governo. Saiu só uma matéria e nenhum editorial, nem questionamentos, nem pressão quanto a essa mudança de rumo. Imagina se o governo Marta faz como fez Gabriel Chalita, e adultera uma pesquisa para só serem divulgados os resultados positivos da rede de ensino estadual, escondendo os dados negativos?
Erundina não se viabilizou como uma opção de esquerda, sequer como voto de protesto. Sua opção pelo PMDB é um caso claro onde a soma política do dinheiro do Quércia com o nome respeitado de Erundina dá zero. Um anula o outro. E a própria Erundina adotou um discurso confuso que atira ora para um lado, ora para o outro, em um dos casos mais surpreendentes de desorientação política.

É nesse tipo de encruzilhada que nos deixa e nos limita o voto e ação política a ele relacionada. Por isso que a democracia, mesmo a limitada atual, vai e tem que ir muito além dele, quanto mais além do voto no majoritário. Semana que vem, ponderações sobre o papel e até que ponto pode contribuir um voto bem calculado para vereador (pequeno guia de passos para escolher o seu) e os limites do voto, da representação e da espera e “fé” que acompanham este modelo de democracia.

Já da parte 3, o seguinte comentário. Compare o romance “Ensaio sobre a lucidez”, o mais recente de José Saramango, onde o autor a partir de sagaz observação da atualidade cria um romance que questiona a falência da democracia, onde o povo, ao constatar a falta de opção, e que o poder real não se encontra nas mãos dos políticos, mas do poder econômico, não vota e os brancos e nulos ganham de qualquer partido versus a neurótica e desesperada campanha “Choose or Loose” (escolha ou perca) nas reprises do Vídeo Music Award da MTV americana, que a brasileira está reprisando (entre outros horários, sexta 21 hs) e que implora para que jovens americanos se registrem para votar (obviamente só em duas opções quase iguais, democratas ou republicanos). Durante o show do Outkast, mais do que mostrar um dos melhores grupos do mundo, o diretor de imagem focava o banner da campanha. Desespero total diante de falta de legitimidade, e do vazio político X opções de consumo.

SEMANA (S) QUE VEM
PARTE 3 - O EX-PAPEL (HOJE A URNA É ELETRÔNICA) LIMITADO DO VOTO
PARTE 4 – PARA ALÉM DO VOTO E DESTA ELEIÇÃO (PÓS PT)
PARTE 5 - PEQUENO GUIA TÁTICO PARA VOTAR EM VEREADOR
PARTE 6 - NÃO TEM PARTE 6


CURTAS
- Seleção de músicas fossa: começa com “For no One” dos Beatles, segue com “Testamento” de Vinícius e Toquinho, chega no fundo com “Espelho” de João Nogueira e Paulo César Pinheiro e “Vai saudade” de Humberto Teixeira, interpretação da Velha Guarda da Portela (porque no fundo do poço mora o samba). E sai, ou tenta-se sair dela patinando no atoleiro em “Não tem nada não” de João Donato, Marcos Valle e Eumir Deodato (trinca de ases).

- Parece que o Simoninha, o Max de Castro, a Maria Rita, o Jairzinho, a Luciana Mello, o Davi Moraes, a Bebel Gilberto, a Preta Gil, o Pedro Camargo Mariano, Moreno Veloso, o SNZ, Wanessa Camargo, Léo Maia, Sandy e Júnior (tenho certeza que devo estar esquecendo de alguém) vão se reunir, como no clip de “We are the world”, em um imenso coral para uma regravação de “Ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais” de Belchior. Ainda que eu ache que não era isso em que ele estava pensando quando fez a música.

- Muitos acima devem ser gente finíssima, mas fazendo música é triste, outros tem até umas canções legais, outros ainda são puro negócios, outra parece até reencarnação, mas quem diria que a MPB, que veio para ser democrática e popular, haveria de virar oligarquia?

- Grande filho é o Donatinho, o “garoto-prodígio e seu teclado estratosférico”, que acompanha a banda do seu pai, o genial João Donato. Toca muito.

- Das Olimpíadas deixo como sugestão ao Comitê Olímpico Brasileiro a idéia de gerar atletas antes mesmo do berço, programados para serem imbatíveis. Por exemplo: imagina a geração de cinco filhos nascidos de Daiane dos Santos com Roberto Carlos. Um pequeno ser de puro par de coxas, seriam as mais potentes pernas da história da humanidade. Se menina executaria o quádruplo twist muito mais que carpado, que carpa é peixe pequeno, pirarucuado, ao som de brasileirinho remixado pelo DJ Marky Marky, nos 350 bpms. Se menino correria o salto com barreira pulando duas de cada vez, e depois aproveitaria o pique final para cobrar uma falta chutando a pelota a 120 km por hora, marcando 1x0 no futebol olímpico. Só por favor não me cruzem o Galvão Bueno com o Datena para narrar isso que o ouvido da gente não güenta não.

DICAS DE LEITURA

Ainda no campo da música o caderno Mais! Publicou interessante série de textos sobre seus rumos. Aponta para vários lados, e traz opiniões e visos diversas, por isso mesmo é bem legal.
Era uma vez uma canção – entrevista com TinhorãoFina estampa – entrevista com Luiz TatitA MPB do B – resenha sobre série de livros “Decantando a República” Remix de autor - artigo de Hermano Vianna, antropólogo e irmão do Herbert

- Da entrevista com Tinhorão Marcelo Coelho extraiu este texto sobre o mesmo, o discurso politicamente correto e o publicitário o que tem um pouco a ver com o meu texto acima: Tinhorão
- E próximo ao tema, Fernando Gabeira, sobre as relações entre a cultura brasileira e estrangeira. Alguma coisa entre Pelé e a Mulher-Gato

- Nostalgia e inveja. Estas sãos as minhas impressões pessoais ao ler o texto “Hay Bush, soy contra” de Adriana Maximiliano, cobrindo as manifestações contra a convenção republicana em Nova York. Nostalgia do meu trabalho cobrindo os protestos em Praga, o qual o estilo do texto tanto me lembrou. Inveja, porque desde Gênova que eu não queria tanto estar cobrindo um protesto novamente quanto estes nos EUA. E frustração, por não ter dado continuidade ao trabalho. Bem, ao menos resta a satisfação de já ter feito um trabalho assim e de ler uma reportagem muito bem escrita, que nos transporta para lá, com personagens e links para os impagáveis sites de protesto. O texto é excelente e faz o que eu espero ter conseguido fazer em meu livro. Porque os jornais não publicam um texto assim, a não ser que seja traduzido de um veículo estrangeiro?

- Este é “o” cabra. Um tremendo jornalista. Xico Sá, no nominimo, de Juazeiro do Norte e Vale do Jaguaribe, em matéria de texto sensacional sobre pistoleiros no interior do Ceará.
A era da pistolagem high-tech

- Do mesmo nominimo O conselho obsoleto, por Pedro Doria. O texto talvez seja um pouco exagerado, mas acho que o sentido, ao analisar o proposto Conselho Federal de Jornalismo X a Internet e seus blogs, está correto. Eu penso às vezes se não deveria me organizar ou, melhor, já ter me organizado faz tempo, partindo do Veja Q Porcaria, (ah, as reminiscências inúteis em torno do passado...) para me profissionalizar nessa direção.

- Dan Wetzel é um colunista americano de esportes do site Yahoo. Foi cobrir as olimpíadas. Seus textos são bem conservadores, para dizer o mínimo, do ponto de vista político. Mas ele escreveu um belo texto sobre a final de futebol feminino, sobre o time do Brasil. É óbvio que o texto puxa um pouco a patriotada ao dizer que Mia Hamm inspirou meninas no Brasil, mas está acima disso ao olhar e dizer que “o futuro” do futebol feminino, e o melhor time, foi o Brasil.
The sincerest form of flattery

- Eu sei que algumas indicações que faço andam estranhas, de autores cujo o conjunto da obra é um tanto complicado. Mas há textos e textos, e textos que acertam. Vou indicar por exemplo um de Gilberto Dimenstein, pessoa que já disse que haveria uma nova versão do conflito de classes não mais entre capital e trabalho mas sim entre trabalhadores de carteira assinada versus trabalhadores informais (sic, muito sic). O que acho ser uma bobagem imensa, Mas este texto, especificamente, achei correto.
Prioridade de Serra à saúde é social ou eleitoral?

DICAS DE CINEMA (em cartaz, em SP, ainda que em horários esdrúxulos)

- Sherk 2 – Que vergonha... Assisti ao filme faz tanto tempo, gostei tanto, e esqueci de indicar aqui. Hilário e muito bem feito, para rir muito. Isso é filme para criança?

- Igual a tudo na vida - O novo filme de Woody Allen segue a pegada dos recentes filmes do diretor. Não tem como errar ao assisti-los. São todos muito bons. Este talvez seja até o melhor desta safra, com o subtexto existencial por detrás do humor. O ator Jason Biggs, faz um jovem “Allen”, o seu personagem típico que a dublagem da Globo dá aquela voz ridícula, um escritor de comédia judeu no início de carreira. Allen faz seu alter ego mais velho, cético e paranóico. Entre frases geniais e piadas inteligentes em cima de piadas inteligentes, beleza, fotografia, trilha sonora, planos e atuações excelentes encaixadas com a discreta perfeição orgânica de um “anti-Olga” (a julgar pelo trailer). Inclusive uma das melhores piadas do filme, é quando o personagem judeu paranóico diz ao jovem “Você não quer morrer em um filme preto-e-branco ao som de violoncelos”.

- Fahrenheit 11/9 – O documentário de Michael Moore pode ter uns problemas menores de ignorar algumas informações, mas você sai muito mais informado do que desinformado sobre o governo Bush após vê-lo. Apesar da dica, adiciona-se aqui crítica pertinente de Demétrio Magnoli ao filme... Filme de Michael Moore abomina a história

- Histórias mínimas –Grandíssimo filme, dica um pouco acima das outras. Na imensidão da Patagônia, três histórias se cruzam. A de um velho em busca de seu cachorro e de perdão, a de uma jovem em busca de um prêmio e do glamour da televisão, e de um caixeiro viajante em busca do amor. Um filme muito delicado é belo, sobre histórias que acontecem muito mais na imaginação dos personagens do que na realidade.

- Bicicletas de Belleville – Animação francesa genial e maluca sobre uma avó e um cachorro que partem para salvar o neto ciclista raptado. Caramba, será possível que todo o filme atualmente seja crítico dos EUA?

- Diários de Motocicleta – Bem, muito já foi dito sobre este filme, e eu até pensei em ressuscitar uma entrevista que fiz com a filha do Che Guevara e que nunca foi publicada. Talvez o faça. Mas enfim, é uma bela viagem pela América do Sul, as locações e a atuação dos atores são emocionantes. Mas não consigo deixar de achar curioso, apenas isto, que um filme tão “esquerda-católica-socialista-latino-americana” (vide P&B a lá Sebastião Salgado no filme) tenha sido feito por um banqueiro. Eu não consigo desgarrar minha cabeça deste tipo de incógnita, por mais inúteis que elas sejam...


quinta-feira, agosto 26, 2004

TRIVIAL VARIADO

- Frase “Devo, não pago, nego quando puder”.

- Sobre a guerra Veja X Isto É. Não tenho tempo nem para deixar os papelotes no ritmo e jeito que eu quero, quanto mais para analisar as alegações de ambas a fundo. A Veja cita com a grosseria habitual quantidade cavalar de fatos em sua defesa, mas há de se notar o peso da Editora Abril na história e nas declarações e a matéria tem teor de contra-ataque, muito mais que auto-defesa. Aliás é curioso como a agressividade da revista da Abril aumenta quando ela está errada (como em um caso ocorrido com o site nominimo anos atrás). E é fato que a Isto É tem problemas aparentemente recorrentes com venda de matérias, como Veja diz. Mas fiz um boletim ao longo de um ano chamado Veja Q Porcaria que pegou toneladas de erros factuais, sem falar de matérias editorializadas desprovidas de base em qualquer fato, e nunca me chamaram para fazer parte desta perfeita equipe de checagem (o que me deixa um tanto magoado), ou me faz crer que a mesma deve ser as vezes ignorada...Cabe registrar que a fama dela é de realmente ser muito boa. Se, segundo a Veja, a carreira do pivô da história, o jornalista Lula Costa Pinto, foi de repórter brilhante a assessor de imprensa, marketeiro e lobista, a minha está indo de repórter e crítico de mídia medíocre para assessor de imprensa desatento e DJ razoável, logo não tenho muito o que falar. Não tenho em mãos as edições da época, nem fiz o trabalho de reportagem necessário para dizer quem está certo. Nestes casos sempre gosto de (me) lembrar que diante de dois lados em conflito há de se abandonar à tentação do maniqueísmo de achar que um lado é bom e o outro é ruim. Posso dizer que o entregador da Isto É aqui em casa é pior do que o da Veja e tem a mania de jogar a revista para ser estraçalhada pelas minhas cachorras. O que esta história toda irresponsavelmente me lembra, é de um caso que ouvi de uma tribo indígena, cuja tradição diz que quando nascem gêmeos, um será bom e o outro ruim. Como a mãe não tem como saber qual será o ruim, e não pode ter a responsabilidade de trazer uma pessoa ruim para compor a tribo, ela mata os dois.

- Esta ocasião talvez seja interessante aproveitar de forma aleatória, Frases que anotei de uma entrevista que o Roberto Civita deu ao Jô Soares, por ocasião dos 35 anos de Veja, e que tinha anotado para um livro que faria, mas decidi fazer outras coisas da vida:
1) “O leitor não nos paga para contarmos mentiras”.
2) “Nós publicamos toda a carta que provar que nós erramos”.
3)Eu me envolvo em dois momentos durante a semana: a pauta na segunda, e a reunião final, quando passa a pauta e discute a capa e a carta ao leitor”.
4)”A palavra, tem que ser a palavra certa”.

O mundo se cansou de brincar com a oposição venezuelana

Um daqueles engodos típicos da imprensa 'neutra"está chegando ao fim. A simpatia à oposição ao Presidente Chávez na Venezuela. Era retratada como democrática, mesmo depois dela ter dado um golpe de estado, que fracassou. Era retratada como responsável economicamente, mesmo depois de uma greve geral de meses com o objetivo de derrubar o governo, que também fracassou. Achava que não teria um plebiscito que aconteceu, e no qual perdeu. Agora não admite o resultado, contra todos os observadores internacionais. O presidente venezuelano tem sorte e boa visão política. Primeiro foi a reação do povo e de setores militares que fez fracassar o golpe. Depois Lula se elegeu no Brasil, e concedeu uma base de apoio à Chávez, principalmente durante a greve (locaute) geral e estabelecendo um equilíbrio, canal de diálogo e apoio externo (para isso a eleição na Argentina contribui também).
Depois Aznar e os conservadores perderam na Espanha, e a oposição venezuelana perdeu seu segundo maior aliado externo (o primeiro é o governo dos Estados Unidos). Finalmente, Chávez, que no início do seu mandato trabalhou na Opep para aumentar o preço do petróleo, com a disparada do produto passou a ser fator para a estabilidade dos preços. O mundo cansou da briga, e com o barril em mais de 45 dólares, decidiu ser pragmático. A alta do preço do petróleo ajudou Chávez nas duas pontas: permitiu financiar seu programa político e ser tolerado pelo Financial Times, Bush etc... De fato, não tinha como se contar com sua astúcia....Lógico que há muito de política interna nesta história, mas isso não deixa de ilustrar um certo "efeito borboleta". Um sabotador em Nadjaf tendo efeito na oposição venezuelana. Veja por exemplo, em relação à oposição, o que diz e a linguagem em que fala, esta matéria do El Pais sobre o plebiscito: Oposição venezuelana continua esperneando


- Sobre o Conselho federal de Jornalismo, o texto de Maurício Tuffani analisando as mudanças que o governo fez no projeto : A canetada e a tesourada (lembrando que é só pedir que mando qualquer material aqui citado por e-mail). Na minha opinião, para melhorar a imprensa e em um sentido mais amplo a comunicação, duas medidas são muito mais importantes que este cartório ou tribunal especial. Uma seria a instituição da clausula de consciência nos contratos coletivos de trabalho ou através de lei, medida que o sindicato de SP ganhou na justiça em relação aos funcionários de Rádio e TV, e que depois desistiu dela em acordo principalmente com a Globo. A clausula de consciência é uma defesa, tênue, mas que dá embasamento legal a jornalistas que se recusem a fazer ou assinar matéria que firam sua ética, e é uma importante defesa para construção de uma independência da área editorial das questões políticas e comerciais da empresa em que ela está. A segunda seria a regulamentação da propriedade impedindo monopólios construídos sobre abuso de poder econômico (Globo na TV aberta e fechada) ou através de propriedade cruzada de várias mídias (Sirotsky no sul do país, Sarney no Maranhão, ACM na Bahia, Collor nas Alagoas etc...). Nenhuma destas medidas está sendo defendida de fato pela atual direção da FENAJ que prefere batalhar para aumentar seu poder com o CFJ sobre os fracos (os jornalistas individualmente) do que comprar uma briga contra os poderosos, que estão no congresso ou nas empresas de mídia e barram estas duas medidas muito mais úteis para a liberdade de expressão. Diriam ser impossíveis de serem aprovadas no Congresso. Então tem de se perguntar porque o CFJ seria possível.


- Negando o sentido de urgência que queria imprimir, eu também esqueci de citar que neste momento onde todos falam de liberdade de expressão e dos erros de Veja e Isto É´s da vida, a maioria não menciona o caso do jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto, criador e editor do Jornal Pessoal, um exemplo de bom jornalismo e liberdade de imprensa realizados na raça e na prática, condenado pela justiça por ter publicado uma matéria correta contra a maior grilagem\invasão de terras do pais, promovida pela empresa C.R. Almeida. Quem quiser receber o manifesto\informações sobre o caso, peça-me que envio por e-mail


- Sobre Olga: Ainda não consegui ver o filme (leia abaixo frustração por não ter visto Sganzerla). Vi o trailer, e achei engraçado que o trailer é tão careta que além de ser cronológico, é exatamente o filme, do começo ao fim, do conflito familiar por ser comunista na Alemanha, passando por ser mandada ao Brasil e seu envolvimento com Prestes, prisão, separação da filha, ao fim no campo de concentração. Taí o filme em dois minutos. E o que se pode julgar pela amostra é que tem a sutileza de linguagem de um Galvão Bueno (tudo é dito, redito e explícito), e aquele tom permanente de “épico histórico”. Fico feliz de termos uma indústria de cinema para criticarmos, porque é uma evolução no país, isso é o legal do filme, além de ser uma história digna de ser popularizada. Mas deve ser um filme com pretensões comerciais ponto, e de um gênero melodramático de virar o estômago. Vou assistir, mas deve ser chato pra caramba.


- Sobre os vereadores calados do PT na capital paulistana, a brincadeira é que é a lei “Rui Falcão” – vereador bom é vereador quieto.


- Nelson Jobim, que vem sendo citado como astro-luz da idéia do conselho Federal de Jornalismo, é uma daquelas figuras superpoderosas (no caso, nos três poderes) e interessantíssimas da república. Só na semana passada, como presidente do Supremo Tribunal Federal, passou por cima de decisão de colega e permitiu leilão de áreas de exploração de petróleo, agradando os mercados. Depois, recebendo o elogio\ato falho de José Genoíno (como o homem é capaz de se enforcar tanto com a própria língua?) de ter posto o Supremo “nos eixos”, ao passar por cima da lei tendo em vista a “situação econômica”, e permitindo a cobrança de contribuição previdenciária de funcionários públicos já aposentados (uma sandice). Novamente agradando os mercados. Estamos falando do mesmo sujeito que como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, presidiu o processo da última eleição, que foi Ministro da Justiça de FHC por anos, e que como deputado constituinte esteve envolvido em alterações clandestinas de texto da constituição de 1988. Depois de dividir apartamento com José Serra, hoje junto com Nizan Guanaes (que aderiu ao Taleban), Henrique Meirelles (o novo ministro intocável, que vergonha...), entre outros, é praticamente um “neo-petista”. Vai ser poderoso assim lá em Brasília...

- Trecho de matéria do Valor Econômico com o presidente do grupo Silvio Santos, Luiz Sebastião Sandoval. Entre outras grosserias, que revelam a crueza das pessoas envolvidas com comunicação no país, tem esta pérola da admissão do abuso do uso de concessões públicas para alavancar negócios próprios, o que deveria configurar abuso de poder econômico. Para quem quiser, envio o texto completo por e-mail.
“A meta é chegar a dez milhões de cartões de crédito em dois anos. Os cartões se destinam a pessoas com renda familiar de até R$ 1.200. ‘Este segmento é consumidor de comida e combustível. E é um bom pagador, tem a menor inadimplência. Além de tudo é o consumidor de nossos produtos.’
O crescimento deve ser rápido na visão do grupo, pois ele tem como arma importante a comunicação do SBT. ‘Esse é o diferencial nosso negócio’, explica.”

DICAS DE LEITURA

- Kennedy Alencar sobre os patéticos sonhos de poder de grupos de cacique (todos de dentro da corrente “Articulação” de São Paulo) que hoje ditam o compasso e parte das disputas dentro do PT. Ainda que o título seja típico do mundo de futricas e veneno dos corredores da política é para guardar e se divertir no futuro, porque raramente estes planos conseguem sobreviver aos imprevistos da vida.
"Projeto Gabão" é o tema da hora no PT

Erika Campelo entrevista José Saramago na Agência Carta Maior. Como sempre, muito bom.
Saramago questiona a ilusão do mundo democrático

- Folha de terça-feira
Pedro Alexandre Sanches em texto primoroso sobre as gravações da obra-prima Elis&Tom, em lançamento de CD remasterizadas por César Camargo Mariano pela gravadora Trama, do filho de Elis João Marcelo Bôscoli. Muito bonito mesmo.

Só tinha de ser com você

Cesar Mariano orientou reconstrução

- Folha de domingo

Para o debate interno (dentro de mim) "PT e pós PT", vale muito esta entrevista de Fernando Gabeira, ainda que seja um triste fim se pegar apoiando César Maia.Mas diz algumas verdades conferidas por este in loco, ou in louco. Uma das respostas mais interessantes é esta:
"Existe uma vontade deles de se perpetuar no poder. Ficou muito claro que, ao chegarem ao governo, eles descobriram, deslumbrados, que o mais importante é ficar no governo e secundário o que será feito com o país. A sucessão de frases como as do José Dirceu - "a principal tarefa é a reeleição de Lula"- ou do próprio Lula -de querer saber como ficar 37 anos no governo- mostra isso. Eram pessoas que viviam como uma certa dificuldade e de repente encontram esse universo de ascensão material. A presidência para o Lula é uma ascensão material. Ele desfruta de recursos e possibilidades materiais muito maiores do que quando estava na oposição.Em primeiro lugar, eles vão tentar canalizar o que puderem de excedente para um trabalho social que mantenha as populações mais pobres na condição de clientes. Em segundo lugar, vão utilizar toda a força que têm -a sedução ou a ameaça- para garantir que a mídia os consagre. Na mídia, eles não dão tanta importância aos jornais. Dão à TV. Vão tentar essa manobra do pão e circo. Até que ponto vai dar certo, vai depender da capacidade deles"

Gabeira revê 79 e ataca "sonho burguês" do PT

Política e desbunde: Cultura da época destampou panela de pressão

Tanga original não era lilás nem de crochê

- Para o mesmo debate, texto de Fábio Konder Comparato: Dois escândalos e uma proposta

- Muito o PSDB tem criticado a política multilateral de Lula, e houve também algumas matéria da Veja a questionar o que o Brasil ganha se relacionando com países do Terceiro Mundo. Bem, na prática dos ganhos de exportação e do modelo de inserção brasileiro na economia mundial, sem nada de “terceiro mundismo” ou socialismo, ao contrário muito capitalista, ganha muito, como mostra esta matéria de Raquel Landim para o jornal Valor Econômico.
Múltis usam o Brasil como base de exportação à África

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