quinta-feira, maio 24, 2007

As vitórias na ocupação da USP

Primeira crise enfrentada por José Serra, os protestos na assembléia e a ocupação da reitoria da USP, que tem sido o pavio de uma importante discussão sobre autonomia universitária X autoritarismo de Serra, tem dado várias importantes lições na esquerda "velha". A ocupação foi a frente e seguiu a despeito das avaliações de entidades e militantes partidários e experientes. Os independentes, anarquistas e outros grupos, inspirados por Hakim Bey e afins, trouxeram-os a reboque, como, com a devida proporção, Seattle trouxe a reboque o Fórum Social Mundial.
Conversei com duas pessoas com décadas de esquerda na USP. Uma disse que não deveriam entrar em greve porque "a universidade não produz mais-valia". O outro disse que há dez dias as entidades defenderam o fim da ocupação, porque "não havia correlação de forças". Este admitiu que eles estavama errados, e os jovens estudantes que sustentam a ocupação e aprendem conforme fazem, estavam certos. De cinco dias para cá a ocupação se tornou uma "bomba" no colo de Serra. Com a entrada em greve dos professores ontem (lógico, das partes da USP que entram em greve) o custo político da ação da Tropa de Choque subiu muito.
O que a "mais valia" e a "correlação de forças" não explicam? Ridiculamente voltando ao meu livro sobre protestos anti-globalização, A guerrilha surreal (Conrad) Que força se faz a força, e que a sociedade de hoje é do "espetáculo" para o bem e para o mal. A ocupação foi se tornando um crescente fato midiático, forçando respostas de Serra, chamando atenção para os decretos e rebatendo argumentos do governo, que optou por negar a ameaça a autonomia, a legitimidade do protesto, desqualificando-o totalmente, e enquadrando, de maneira vexatória, seus prepostos, os reitores.
O que não contavam foi com a força do protesto dos desinteressados, com a criatividade de comunicação dos estudantes, com sacadas geniais como encher as barricadas com fotos do Serra posando com uma arma, foto com a qual a direita gozou em página dupla na Veja. Com o cheiro do ralo da ilegalidade dos decretos, que começa a ser sentido por todos. Xico Sá no nominimo, matérias de repórteres da Folha sobre o clima na ocupação etc...começaram a bater na barra da calça do governo.
Pinotti foi exposto no seu real objetivo no cargo: enquadrar as públicas como representante das universidades privadas. É a privada da FMU mandando na USP, Unesp e Unicamp. Hoje, artigo do pitbull intelectual dos tucanos, José Arthur Giannotti (demorou, não?) acusa o golpe, e junto com um editorial da Folha de S. Paulo, começa a tentar sinalizar uma saída para Serra. "Redigir" os decretos, ou colocar os reitores para implantarem um "meio termo".
Tudo pode estar acabando hoje. Mas parece que não vai ficar de barato estes decretos que passam por cima da lei. A universidade, fica ainda mais dividida e polarizada entre os que lutam para que ela seja mais pública, crítica, social, e os privatistas das fundações, com uma maioria silenciosa de pesquisadores "independentes" no meio.
A sociedade lembra aos tecnocratas autoritários, que a política feita de forma silenciosa, apenas pelos interesses econômicos, nem sempre é tão fácil de se implantar assim.
Vamos ver como fica Pinotti e sua ridícula "ex-secretaria do Turismo", se a Fapesp continuará na pasta de "Desenvolvimento" e principalmente, como fica Serra e seus decretos.

quarta-feira, maio 23, 2007

Serra e a mentira

Serra diz que os motivos da ocupação na USP são "mentiras", que os decretos não afetam a autonomia. Lembra-se que Serra prometeu e assinou compromisso de cumprir todo o seu mandato na prefeitura de São Paulo? E largou-a na mão do Kassab/Mattarazzo para ser governador do estado? Serra entende muito de mentira...

Artigo para clarear o cenário dos decretos de Serra e da ocupação

ARTIGO

Em defesa da Universidade de São Paulo
ANTONIO CARLOS ROBERT MORAES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando o atual governo do Estado de São Paulo decidiu promulgar um decreto alterando a estrutura das universidades públicas estaduais, gerou a possibilidade da crise que agora vivenciamos. Tal medida não constava do programa de governo apresentado pelo candidato a governador, nem foi levantada em sua campanha eleitoral. Por isso surpreendeu a comunidade uspiana, inclusive aqueles que nele votaram.
Para utilizar uma expressão popular, foi uma medida "tirada do bolso do colete", incidindo em uma área da administração pública estadual que, comparativamente, não apresentava grandes problemas. Ao contrário, a USP permanecia com a sua produção acadêmica de qualidade e estava expandindo vagas.

Cabe assinalar que, para uma proposta que visava "aprimorar" o sistema universitário paulista, a medida continha grandes lacunas e imprecisões, como ficou bem demonstrado nas alterações posteriormente realizadas pelo próprio governo estadual, e nas dúvidas que persistem sobre suas atribuições até o momento.

Em face ao quadro descrito, e dada a omissão dos dirigentes da USP que não se manifestaram quando da publicação do decreto, instalou-se um clima de insatisfação na comunidade uspiana. Tal terreno possibilita atitudes radicais e mesmo impróprias, como a invasão do prédio da reitoria por um grupo minoritário, que se manifestou como "vanguarda" política no processo.

Sem dúvida, essa ação desencadeou o debate que agora se trava, porém a atual situação de impasse, que persiste, é altamente lesiva à instituição. As atividades-fim de ensino, pesquisa e extensão são prejudicadas, e municia-se os interesses contrários à universidade pública com argumentos falaciosos, que passam à sociedade uma visão distorcida da vida universitária.

Órgãos de imprensa inescrupulosos fartam-se nessa situação, apresentando os docentes como uma corporação privilegiada e os alunos como rebeldes irresponsáveis. Esta visão deturpada e intencionalmente dirigida para a destruição de um bem público não releva os enormes serviços prestados pela USP ao longo de sua existência. Todo o sistema universitário brasileiro lhe tem como matriz geradora de quadros especializados e como referência institucional.

A pesquisa de excelência ali praticada, responsável por quantidade considerável da produção humanística e científica nacional, se expressa desde a geração de patentes de remédios de suma importância para a saúde humana até a elaboração de interpretações básicas para o entendimento de nossa história, desde o desenvolvimento de tecnologias vitais para o país até a reflexão sobre posicionamentos que aprimoram a nossa sociabilidade.

Além disso, cotidianamente, a universidade presta diversificados serviços à população, seja no campo do atendimento médico, da elaboração de laudos técnicos, de difusão da cultura, entre outros. Enfim, seria longa a lista dos benefícios que a universidade cria para a sociedade que a mantém. Pequeno é o seu custo em comparação com outras aplicações dos recursos públicos.Por essa tradição já consolidada, a Universidade de São Paulo não pode ser colocada na "bacia das almas" do jogo de interesses mercantis, partidários ou político-eleitorais. A sociedade paulista tem de defender este seu patrimônio, lutando pela manutenção de sua autonomia, de sua independência administrativa e de pensamento. O que não significa falta de transparência na prestação de contas (como parece sugerir o discurso governamental).

ANTONIO CARLOS ROBERT MORAES é professor-titular do Departamento de Geografia da FFLCH, foi secretário da Adusp e representante dos professores-assistentes e dos professores-doutores no Conselho Universitário da USP

terça-feira, maio 22, 2007

Salvem São Paulo de São Paulo...

Já critiquei muitas matérias deste jornalista do tempo em que ele trabalhava na Veja. Mas este texto dele é certeiro e urgente em tentar impedir que herr Mattarazzo destrua de vez o centro de São Paulo. Saiu na Folha de S. Paulo de hoje.


RAUL JUSTE LORES

Uma Berrini na cracolândia?

A CRACOLÂNDIA está na mira de empreiteiras como Odebrecht e Gafisa para se transformar em um bairro "revitalizado". É uma oportunidade rara para São Paulo evitar uma nova Berrini, uma Vila Olímpia ou um Morumbi.
Empreiteiras gastaram bilhões nesses bairros caros, e o subserviente poder público foi atrás, torrando milhões em túneis e vias expressas. O resultado é o pior que São Paulo construiu em décadas.
Praças, árvores, bares com mesinhas em calçadas largas, gente na rua, paquera, vitrines para se olhar.
Tudo aquilo que se admira em Buenos Aires, Rio de Janeiro, Londres ou Nova York não se encontra na Berrini e arredores. Ali, só zonas mortas à noite e no fim de semana, muros altos, calçadas estreitas, sem comércio ou vida.
A culpa maior é de sucessivos prefeitos que deixaram que assim fosse. O Morumbi virou um treme-treme de rico, com dezenas de torres residenciais juntas, sem uma loja embaixo, um boteco na esquina, onde cada apartamento tem três carros e você precisa deles até para comprar um pãozinho.
A Berrini virou um amontoado de torres de escritórios, sem um edifício residencial no meio, nem a obrigação de locais comerciais no térreo. Esse Urbanismo Tabajara teve alvará porque o mercado manda. Mas o mercado que assedia a cracolândia já demonstrou que não sabe criar bairros.
Há o risco de que os atuais moradores da cracolândia sejam desterrados para rincões perdidos da cidade, onde jamais conseguirão emprego (ou vão preferir virar moradores de rua no centro). Sem um plano diretor para a área, que misture uso residencial, empresarial, comercial e de entretenimento e que obrigue uma porcentagem de apartamentos populares e financiados, a cracolândia pode virar outra Berrini.
É irônico que, enquanto a lengalenga da revitalização do centro se arrasta, justamente na marginal Pinheiros, na vizinhança da Daslu, novos shoppings estejam em construção. São Paulo já tem mais de 70 shoppings. A cidade ficou pior ou melhor nas últimas décadas, desde que eles concentraram a diversão da classe média e acabaram com o comércio de rua? Londres e Nova York proíbem shoppings. Por que será?
Buenos Aires criou o Puerto Madero sobre escombros de armazéns portuários, coisa que até Guayaquil, no Equador, conseguiu copiar. São Paulo não consegue melhorar alguns poucos quarteirões.
Vivemos uma era em que as indústrias criativas de ponta se instalam onde seus talentos queiram morar. Se continuarmos a construir uma cidade tão inóspita e feia, o dinheiro que criou Berrinis e afins escolherá portos mais criativos e acolhedores.
RAUL JUSTE LORES é repórter de Mundo.

domingo, maio 20, 2007

Heroes e suas influências

Amanhã será exibido nos Estados Unidos o último episódio da série Heroes. Assistirei na internet na manhã seguinte. Adoro Heroes. É um seriado sensacional. Funciona como uma transposição de anos de expertise nerd, de roteiristas fãs de TV, quadrinhos e construção de estruturas narrativas imensas, de RPGs etc, com um setor da indústria cultural (a de seriados) que amadureceu e evoluiu muito nos últimos anos.
Por isso resolvi escrever um texto sobre as influências da série. Até porque se "quebro" direitos autorais vendo-a pela web ao invés de esperar meses para fazer a mesma coisa na TV que eu já pago para ter (e quem disse que eu vou assistir aos comerciais?), vale a pena expor influências para mostrar como a produção cultural é por natureza uma retroalimentação, que se produz coletivamente, em diálogos e acumúlos de várias fontes. Vamos lá a este mico nerd:

Influências de Heroes

X-men:
A influência mais óbvia é a dos quadrinhos de mutantes dos X-men. Praticamente todo mundo explica Heroes como "É tipo os X-men". Stan Lee, que distanciou a Marvel da DC Comics ao crias quadrinhos mais "realistas" (e duas aspas é pouco para o uso desta palavra) popularizou o conceito darwinista de "mutantes", pessoas com superpoderes que representariam um novo passo evolucionário, e suas dificuldades e desafios em aprender a dominar seus poderes natos e de conviver com os humanos normais . Mas foi o inglês Chris Claremont que reinventou os X-men, transformando-o em um grupo multiétnico, com pessoas de vários países e explorando mais as diferenças culturais e a questão de os seus poderes os fazerem não só mais poderosos, mas também párias. Ele sacou que o público internacional que consumia os quadrinhos produzidos nos Estados Unidos teria interesse em se ver neles, e que disso poderia extrair personagens e conflitos mais interessantes do que mantendo-os apenas dentro de um contexto norte-americano mais estreito. Claro, eles ainda estão subordinados à este contexto e ponto de vista, mas o enriquecem. Claremont transformou os X-men em fenômeno e no título mais importante da Marvel. O diretor de cinema Brian Synger, fez um trabalho incrível em conseguir adaptar as questões, poderes e personagens dos X-Men ao universo audiovisual, que necessariamente demanda uma verossimlhança mais apurada que a dos quadrinhos.

Robert Altman
: O cineasta norte-americano trabalhou um bom tempo desenvolvendo a arte de criar narrativas em forma de grandes painéis, com muitos persoangens que se cruzam ou não, por exemplo, no filme Short Cuts e Prêt-à-Porter. Vários outros diretores passaram a trabalhar mais com narrativas paralelas com pontos de tangência após isso. Magnólia e Babel são alguns exemplos. Heroes usa este recurso com maestria.

Watchmen: Watchmen é o ponto máximo dos quadrinhos de super-heróis. A minissérie de Alan Moore, além de trabalhar as possibilidades dos super-heróis em um mundo realista e suas neuroses, tinha como trama uma conspiração que queria explodir Manhattan (uma verdadeira obssessão compartilhada pela indústria cultural e de Bin-laden) com o objetivo de unir o mundo. Alguma semelhança com a trama principal de Heroes? Aliás, é muito bacana e pouco comentada os paralelos entre Nathan Petrelli e George Bush, e seu 11 de setembro. A série é entretenimento, mas trabalha bem com o clima político e a questão de 11/9, principalmente em seu melhor episódio, o 20°, que se passa em um futuro fascista (aí a crítica a Bush é direta), e a mania dos norte-americanos por teorias da conspiração. O incosciente da série passa pelas questões da alteridade e segurança, levantadas pelo 11 de setembro e a guerra contra o terror.

Novo universo Marvel: Talvez a menos citada influência da série, e uma das mais importantes, seja a experiência (fracassada) da Marvel dirigida por Jim Shooter, na segunda metade da década de 80, de fazer um "novo" universo de super-heróis, muito mais realista. Durou três anos. Eu duvido que os roteiristas não tenham lido "Estigma", ou "PN-7" quando adolescentes...De cara o eclipse do começo da série e que é a sua abertura, lembra o "clarão" que dá início ao Novo Universo. Que também tinha um vilão que queria ser presidente dos Estados Unidos e que absolvia poderes de quem encontrava (os dois Petrellis na mesma pessoa), uma loira com super-força e heróis desajustados no PN-7 etc...

Lost: Só o sucesso de Lost explica como a TV norte-americana topou financiar uma série tão complexa e cara como Heroes, baseada em roteiristas e não em astros. Heroes foi implantado para concorrer com Lost nos Estados Unidos. Mas são também os erros de Lost, na questão de "gerenciamento de segredos" que nitidamente, e isso é assumido, significam a evolução de Heroes em relação aos perdidos na ilha. Como diz o criador da série, Tim Kring, ele se reuniu com um escritor que trabalhou para ele, e que hoje é do time de criação de Lost, para conversar sobre erros e acertos deles com o show. Heroes tem uma premissa muito mais livre no tempo e no espaço, e transformou o uso de "criar e revelar" segredos como gancho para prender o espectador em uma forma de arte. Lógico que com o tempo vai se desgastar (está difícil manter o clímax após o episódio 20), mas eles vão tentar dar soluções novas para este problema.
Esta matéria, em inglês, do Boston Globe, tem um gancho bobo de "teoria da conspiração" mas avança para dar conta da complexidade e da troca de idéias que faz uma indústra cultural madura. É muito legal para conhecer os bastidores da concepção da série.
Claro, Heroes, não é realista, é um produtão, seus personagens não são um mundo de profundidade, tem vários furos no roteiro, natural já que é tão complexo, como "porque X não usou este poder para impedir aquilo", e trabalha de um jeito genial com a falta de recursos, usando efeitos especiais pontualmente e resolvendo questõs com soluções espertas de som e edição (como praticamente nunca vermos Nikki/Jessica usar realmente seus poderes)... Mas é brilhante, muito bem feito divertidíssimo. Tá bom demais.

Ombudsman de ombudsam

Se o novo ombudsam da Folha de S. Paulo, Mário Magalhães continuar suas colunas no rumo em que está, falando de questões de "atendimento ao consumidor" mais do que ao leitor, e gastando espaço para falar de problemas de outros jornais, o que é uma ótima maneira de desviar dos espinhos da sua função, só irá demonstrar como a excelente e corretíssima temporada de Marcelo Beraba no cargo deve ter incomodado demais a direção do jornal. Mário Magalhães vai falar de erro no Jornal do Brasil, ao invés de escrever sobre a demissão e crise na Meio& Mensagem por causa de um box sobre a participação de Octávio Frias de Oliveira em episódios na ditadura. A função de ombudsman parece ter sido finalmente "enquadrada". A coluna de hoje é, e torço para que isso não vire um padrão, uma coisa insípida.

Serra mente

Ontem, José Serra disse que os estudantes ocupam a reitoria da Universidade de São Paulo baseados em "mentiras". Por que não haveria nenhuma ameaça a autonomia partindo de seu governo. Ainda quis dar lição para os outros, dizendo que foi o "grande líder estundatil da sua época". Serra foi presidente da UNE, de fato, e de resto segue sem tratar sua megalomania no divã.
O problema não é a inclusão no sistema de acompanhamento no orçamento. É o resto. Se os decretos não ameaçam a autonomia, porque foram implantados? Para deixar as coisas bem claras, assim que eles acabaram com a autonomia:

- Os reitores não podem mais remanejar, dentro da verba destinada à universidade os recursos entre mão-de-obra, custeio e investimentos, sem autorização do governador. O governador jura que autorizará todo o pedido. Mas isso não é autonomia, que deixa de ser institucional para ser pessoal ou "operacional", como é a do Banco Central de Lula (e que aliás, não deve ser autônomo de fato, mesmo). A simple existência da possibilidade do governador vetar um remanejamento já é uma ingerência que influi no cenário das decisões. O "potencial de poder" de que trata Giorgio Agamben ao falar do Estado de Exceção, se aplica perfeitamente ao caso. É como uma conversa entre alguém desarmado e um outro armado. O outro pode nunca usar a arma, mas o fato dela estar lá e dele poder usá-la, já muda toda a conversa...O governo fez isso. Colocou um revólver na mesa nas suas conversas com as universidades.
- A mudança de composição do Conselho de Reitores, que é o órgão que negocia a política salarial das universidades. O governo ganhou ainda mais força nele e pode barrar aumentos salariais, mesmo havendo recursos e necessidade de fazê-los. Podem forçar uma defasagem ainda maior de salários.
- A necessidade de autorização do governador para contratação de mais professores e funcionários. Novamente, o governo ganha capacidade de sufocar a universidade.

Nitidamente o governo não quer ceder, e pretende esperar o barulho causado pela ocupação passar, constrangendo os seus pré-postos (os reitores, a quem o governo desgastou com estes decretos-surpresae jogou em saia justa a toa) e sufocando o movimento dos estudantes (que dificilmente conseguirá durar até julho). Para mais para frente, com a "normalidade", aplicar os decretos. A quem isso serve? A autonomia universitária funcionou horrores para São Paulo, aumentou a produção e eficiência acadêmica, e para a direita, não impedeu a apropriação gradual do que lhe interessa economicamente nas universidade através das fundações privadas. A quem criar ferramentas para desconstruí-las interessa? Basta observar as declarações e associações de José Aristodemo Pinotti com o lobby das instituições privadas, através de seus cargos na FMU. É a única explicação no horizonte. Eta direita ideológica movida à lobbies, dando tiros no pé da sociedade...

Contra esta, a lucidez de Fancisco de Oliveira, em entrevista ontem na Folha de S. Paulo:


É um movimento em defesa da universidade, afirma sociólogo

Francisco de Oliveira disse aprovar que os alunos tenham tomado a iniciativa

DA REPORTAGEM LOCAL

O sociólogo Francisco de Oliveira, 73, aprova a ocupação da reitoria pelos alunos. Para ele, essa é a única maneira encontrada para as reivindicações serem ouvidas. Ele critica, porém, a política educacional de José Serra e, ainda, a possível entrada da PM no campus. A assessoria do governador foi procurada no início da noite, mas informou que Serra estava no interior. A assessoria do secretário José Aristodemo Pinotti não foi localizada por telefone. Leia trechos da entrevista.


FOLHA - Qual é a opinião do sr. sobre a ocupação da reitoria?
FRANCISCO DE OLIVEIRA -
Sou inteiramente a favor dessa ocupação. Não ocupação por ocupação, mas porque os recursos se esgotaram e os estudantes estão fazendo um movimento em defesa da universidade. É lamentável que os meios políticos institucionalizados não sejam capazes de atentar para a questão da universidade. É odioso que o governo do senhor José Serra, que no passado foi presidente da UNE, (...) use desses meios de restringir financeiramente a universidade.
Não adianta o secretário [de Ensino Superior, José Aristodemo] Pinotti vir e dar nó em pingo d'água. Não havia mais recurso, o movimento dos professores está muito fraco e os estudantes tomaram a iniciativa e sou inteiramente a favor. Ainda não vi ato de vandalismo.

FOLHA - Essa era a única forma de serem ouvidos?
OLIVEIRA -
É isso. O governador, do alto de sua majestade, baixa os decretos. Ele tem a chave do tesouro e pronto. Deveria criar outros meios de a universidade ser responsável pelos gastos. Não estou pedindo uma universidade irresponsável, fazer o que lhe der na cabeça.

FOLHA - O que o sr. acha da possibilidade de a polícia ser acionada para fazer a reintegração de posse?
OLIVEIRA -
Mandar, por uma medida judicial, invadir a universidade é, realmente, desprezível. Não há outro nome. Ele [Serra] deveria retomar as fotos e filmes de 64 e ver a sede da UNE queimada, para ver se refresca a memória.

Juca Kfouri na folha de hoje, sobre a decadência da seleção

Juca Kfouri tem toda a razão na sua coluna de hoje sobre a decadência da seleção brasileira. Vale apontar no único sinal que entende a capitânia hereditária do futebol brasileiro, a CBF, que a seleção alemã, segundo a Nike, vale oito vezes mais dinheiro que a brasileira. O time é formado apenas por jogadores do exterior, cada vez mais com gente que nem teve tempo de ser conhecido aqui, só joga no exterior, e vive um patético oba-oba de Galvão Bueno, Tino Marcos e "Expresso da Bola" (vulgo, Globo) que impede que se critique o status quo. O futebol brasileiro deveria estabelecer um acordo em torno de uma idade mínima para transferência de jogadores (nem que fosse 21), e vender jogadores só na janela de vendas do fim-do-ano no mercado europeu, evitando que as equipes aqui se desestrutarem no meio da temporada. E parte dos milhões ganhos sem esforço pela CBF com a seleção masculina, deviam ser usados para estruturar uma seleção feminina, um campeonato ou programa de estímulo para o futebol feminino.
Mas enfim, para começar o governo deveria, inclusive para a organização da Copa de 2014 "enquadrar" a gestão "latifúndio", que não presta contas a ninguém, de Ricardo Teixeira. Mas tá tudo "dominado". Se CBF-Lula e demais políticos-Globo se fecham entre eles, se tá tudo bem entre eles, como conseguir mudar a situação?
Depois se nega férias e se compra brigas com Kaká e Ronaldinho Gaúcho, como se o problema fosse só eles...

A seleção desprezada

Não são apenas as estrelas brasileiras que não têm mais grandes vínculos. O torcedor também se afasta

A CBF começa a colher o que plantou ao dar força ao modelo exportador de pé-de-obra que assola nosso futebol. Ao nada fazer para impedi-lo por meio de uma organização mais racional e rentável, ao contrário, ao incentivá-lo por imaginar que facilita a formação de seu time para jogar no exterior, a entidade passa a ter de conviver com as recusas das maiores estrelas. Porque acabou aquela história de a seleção ser a pátria de chuteiras. É, no máximo, a caixa registradora de chuteiras. E, se assim é, assim passa a ser tratada por quem tem mais a lucrar ao olhar para o próprio umbigo, e para o próprio bolso, do que para a seleção. Não vivemos no primado das individualidades? Ora, é cristalino o direito de férias dos atletas, período em que, também, eles aproveitam para gravar mais campanhas publicitárias altamente remuneradas.
Por que o calendário mundial do futebol não é um só, de modo a evitar tais excessos?
Por que a Eurocopa é disputada a cada quatro anos, e a Copa América, a cada dois?
Para que se enfiar na Venezuela para disputar uma Copa América que não leva um torcedor brasileiro às ruas em caso de vitória e desencadeia crises em caso de derrota?
Como exigir de um Kaká, às voltas com a decisão da Copa dos Campeões, que tenha cabeça e músculos para digerir um torneio que é disputado em seu sagrado período de descanso?
Fosse a Copa do Mundo, vá lá, por mais que Ronaldinho Gaúcho, em situação idêntica no ano passado, tenha quebrado a cara exatamente por estar esgotado (como já acontecera com Zidane, em 2002). Os popstars do futebol sabem hoje muito bem como as coisas funcionam, quem ganha com o que e quanto. Com a vantagem de serem aplaudidos onde vão, ao contrário dos cartolas, tratados como merecem nos estádios, nos restaurantes e nos calçadões, que nem podem freqüentar, quando muito notórios. E cada vez o torcedor quer saber mais de seu clube e menos da seleção, que passa anos e anos sem jogar no país, mero produto para consumo externo.
Polêmicas e vaias a seleção sempre causou, desde tempos imemoriais. Os momentos de unanimidade são raros, mas o fato é que havia paixão em torno dela. Hoje a seleção é muito mais um saco de pancadas, porque os vínculos se perderam através dos anos, não só os dos atletas, como se vê, mas também, e por causa, os dos torcedores, por mais que os ufanistas de plantão se esgoelem para tentar manter uma imagem que está morta e sepultada. Até o presidente da República disse que prefere ver os jogos europeus, como se também não tivesse responsabilidade, ao andar de braço dado com a cartolagem e a esta se curvar, deslumbrado.
Daí, Lula ouve de Pelé um apelo para combater a corrupção em nosso futebol, embora o Rei tenha dado oxigênio, a mão e o abraço no deprimente "Pacto da Bola" com os cartolas, em 2001, fartamente responsável por tudo ter voltado à estaca zero, na consagração da impunidade que de novo denuncia. Mas a seleção paga o pato.