quarta-feira, julho 07, 2004

DOIS ENCONTROS COM DEUS EM UM FIM-DE-SEMANA


A festa havia sido fraca. Pouco público; quase prejuízo. Saio do Vale do Anhangabaú até o carro. Chego no guardador, dono da rua, negro, gordinho, nos seus quase cinqüenta, jaqueta, camisa social, gravata e tênis prateado cheio de estilo. Comento que a noite não foi como eu esperava, meio na desculpa por ter empatado a dele, afinal, se fosse um sucesso, muitos carros, muito dinheiro (“já fiz festa de quinta com carro estacionado entre o Viaduto Santa Ifigênia e o do Chá”). Ele, meio alto na madrugada, olhos arregalados, diz que não foi isso. Sentencia:

- Você foi “boicotado”. Me escuta, me escuta, “boicotado”. Eu estava aqui e eu vi tudo. Boicotado. Entende?

Digo que sim. Acho que sim.

- Tem gente querendo ofuscar teu talento, tua estrela, fazendo trabalho. Olha, eu to sem telefone, mas olha...Porque você acha que eu tô assim, bacana, todo mundo me dá dez, me dá cinco.

Ué, porque você guarda os carros. Pensei, mas não falei.

- Você vêm aqui na quinta e a gente conversa.

O homem não deixa eu ir embora. Eu que não vou provocar o sujeito. Quando finalmente me vou, ele me dá um longo e forte abraço, para “sentir energia”. E faz um X com os braços sobre seu peito.

- Eu sou do candomblé. Aparece aqui na quinta e a gente conversa.

Domingo de manhã vou jogar basquete. Pouca gente, então treino arremessos livres. Séries de 10. Vinha sensacional em uma delas acertando nove seguidos. Erro o último deles e urro de raiva, por estragar uma série que seria perfeita.

Na quadra ao lado, skatistas estacionam seus veículos embaixo da tabela e se reúnem para jogar. São sete. Seco, chego junto para uma partida. Outro colega de parque, basqueteiro experiente, desconfia da turma e prefere seguir sentado.

Quatro contra quatro, em meia quadra é um tanto exótico, mas tudo bem. Dividimos os times. O adversário começa a se reunir em círculo. Acho que vão conversar algo do jogo, mas olho de novo e meu time está se juntando a roda também. Só eu estou de fora.


- Todo mundo aqui já esteve no fundo do poço, no abismo das drogas e se salvou em Jesus Cristo, e hoje estamos aqui curtindo o dia.

Diante da minha hesitação a se juntar à roda, quem a chamou se vira para mim e pergunta:

- Você crê em Deus?

Não, eu sou ateu. Pensei, e falei.

- Você gostaria de participar desta oração?

Não. Pensei, e falei.

Eles começaram a orar, enquanto eu brincava com a bola. Cada um na sua, pensei. Ainda bem que falei que sou ateu, pois acho aproveitar para falar isso enquanto posso. Sabe-se lá até quando haverá este luxo, em um mundo de Bin Laden, Bush, Marcelo Rossi e Garotinho. Não vou questionar a fé deles, ainda mais uma que ajudou a salvá-los do abismo, como disseram e como diziam as marcas no corpo de alguns deles.

Mas basquete não sabiam jogar e isso estava mesmo na cara. E o único ateu, mesmo estando longe de ser craque, definiu fácil a partida, isso com uma dor no joelho esquerdo, que insistia em piorar.

No dia seguinte, fui mancando ver o ortopedista sobre a dor no joelho. Tendinite. Um mês sem basquete, caminhada, mesmo dançar. Veredicto médico.

Mas vai saber...

Bem, de qualquer jeito, é só quarta-feira. Em caso de dúvida, ainda há tempo de aparecer no Anhangabaú na quinta...