sexta-feira, outubro 01, 2004

AAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHH ELEIÇÕES AAAAA NÃO !!!!!!

Para quem não gosta de eleições, ou não mora em Sampa, os papelotes desta semana vão ser muito chatos (ou interessantes). Prometo que está acabando e daqui a pouco largo disso e volto com mais crônicas, humor, dicas de cinema (preciso ir nele para tanto) e música. Por enquanto, minutinho de sua atenção.

Jornalistas não deveriam declarar seu voto. Muito menos três vezes. Será? Ou será que isso é uma versão tapuia, no fundo anti-democrática, do que seria democracia e isenção. Minha democracia ideal não é (auto) repressão ou um calar de vozes. É a multiplicidade de vozes sinceras nas suas diferentes opiniões. Se Trip, Tutty Vasquez,e outros declaram voto, e se a Folha pratica mas não declara o seu, porque não eu posso falar o meu também, no Íbis do jornalismo, o menor veículo de imprensa não prensado do mundo?

Hoje termino a série e certamente esgoto sua paciência. Juro que não fiquei tão chato assim.


ELEIÇÕES 2004 – SAMPA

A parte 4 vêm depois da cinco, e as duas fecham esta série do papleotes. A inversão dos fatores altera o produto, devido ao fato da parte 4 entrar na esotérica discussão do voto nulo na eleição paulistana, que para a maioria dos leitores dos papelotes deve ter o valor do debate do ponto de fervura da rapadura.

PARTE 5 - PEQUENO GUIA TÁTICO PARA VOTAR EM VEREADOR


Muitas pessoas desprezam ou votam de forma descuidada para vereador. Este pequeno guia tenta ajudar a pesarem melhor este voto, que de quem trabalhou lá dentro, tem muita conseqüência, tanta quanto do majoritário. Vou explicar colocando-me como exemplo.


Passo 1 – linhas gerais do voto ou a opção política

Quais são os valores do seu voto? Esquerda e direita, dizem , significam pouco, mas é mais ou menos por aí. Você é a favor ou contra o atual governo? Quem é seu candidato á prefeito? Um voto para alguém que já o apóia pode significar menos fisiologismo. Quais são as áreas prioritárias que devem ser abordadas por um vereador?

No meu caso, apoio o governo com ressalvas, e meus valores são mais próximos do que, para não chamar de esquerda do PT, vamos chamar de “PT old school”, em homenagem ao hip-hop. Dentro da bancada atual do PT, existe uma divisão entre os governistas e a chamada “bancadinha”, formada pelos vereadores de postura mais independente, crítica e “corretiva”, em relação ao executivo. Existe gente que argumenta que isso adianta pouco, que eles no fundo reforçam uma ilusão de um PT que hoje é “centro –direita”, mas eu acho que de fato eles conseguem melhorar o rumo do governo.

Este é o campo do meu voto. PT independente. Não voto na legenda (não recomendo isso), mas o voto para reforçar diferenças de conteúdo dentro do partido e premiar boas atuações. O seu poderia ser “oposição”, ou “vereadores ligados ao Serra”. O campo limita meu voto a alguns nomes válidos e dá sentido à escolha.

Passo 2 –temas e práticas

Dentro do campo político há uma série de temas que acho importante: participação popular (os conselhos e orçamento participativo), planejamento, proteção do patrimônio público, democratização da comunicação, meio ambiente (transporte público acima do carro), apoio e relação com os movimentos sociais, além dos óbvios: saúde, educação. E claro, ser ético. É muito difícil o mesmo vereador abordar de forma aprofundada todos eles. Por isso mesmo, embora o voto meu seja só um, várias candidaturas são votos válidos.

As práticas são como ele atua. A forma do conteúdo. Mandatos que não praticam o clientelismo, atendendo as pessoas de uma maneira séria e não baseada na troca de favores, que promovem o debate, que informam suas atividades, que tem uma equipe técnica bem preparada no gabinete, e que não dizem só “amén”, ou “vade retro”, ao executivo.

Em resumo, são práticas que permitam que você acompanhe e cobre do mandato após a eleição.

Como a vida é cheia de surpresas, preferi dar preferência a nomes que já têm um trabalho estruturado e testado (o que, de resto, não impede surpresas). Reduzi então para votar em candidatos da atual legislatura. “Renovação” é um mantra usado por muitos picaretas. Prefiro reforçar e mostrar que práticas sérias de mandato podem ser bem-sucedidas.

Dentro de uma cidade imensa como São Paulo, os candidatos também se dividem um pouco por “regiões”, lógica importante principalmente na periferia. Eu acredito que com práticas sérias de mandato é possível superar esta questão que para o bem e para o mal, está relacionada com clientelismo e loteamento de cargos em subprefeituras. Mas é um critério para quem quiser que seja, e não necessariamente negativo se acompanhado dos de cima.

É irônico dizer que os critérios acima me deixaram com candidatos de origem e mais relacionados com a classe média, embora com sinceras e grandes relações com os movimentos sociais. Algo para se pensar.

Passo 3 – sua experiência

Na liderança de governo, onde trabalhei, tínhamos um “álbum de figurinhas”, com foto, nome e telefones de cada vereador. Vi o debate e negociações em torno de projetos importantes para a cidade e ouvi pessoas envolvidas em várias áreas do governo e a seriedade de políticos em diversas situações. Meu voto inevitavelmente nasce daí também.

Passo 4 -Intermezzo

Uma passagem desnecessária (pule se tiver juízo). Tenho dois conhecidos de longa data que se candidataram nesta eleição. Um é meu colega de turma da USP, Eduardo Kui, candidato pelo PSDB. Lendo seu site, eu que comecei a trabalhar aos 22, ele com quase metade disso, que não sou casado nem financeiramente bem sucedido, me senti um fracassado no sonho e valores da classe média. Desejo um feliz nascimento para seu primeiro filho. Mas lendo sua proposta tosca, fascista, sobre favelas, me senti assustado com o desconhecimento do tema pelo meu simpático colega de turma que propõe a sua “erradicação” em nome de predinhos Cingapuras, proposta irreal e anti-democrática. Existem sobrados na favela, um comércio próprio e empregos, que seriam arrasados por tal medida. O Cingapura como solução para favelas só satisfaz os preconceitos e a ignorância da classe média que as vê da avenida.

A outra pessoa é a Soninha, pelo PT. Pessoalmente vou votar em um outro candidato, pelos motivos dispostos acima e abaixo, mas a Soninha é uma pessoa que admiro, conheço faz tempo e confio na sua seriedade. Não precisa da política e está com boa vontade entrando nessa. Defende temas novos e alguns até tabus para a esquerda. Quer construir um mandato participativo e diferente. E está consciente donde esta se metendo. É uma experiência boa, para quem quiser votar nela.

Os dois tem algo que parece ser pré-requisito para ser vereador. Todos os vereadores que eu conheci são um pouco (alguns muito) malucos, no bom ou no mal sentido da palavra. Hiper-ativos, insones etc...

Passo 5 – nomes

Vou votar no vereador Nabil Bonduki - 13633. Mais informações sobre ele no seu site: www.nabilbonduki.com.br. Mais do que apenas votar nele, voto na sua equipe, na prática de mandato, que tanto na análise, como na proposição de projetos e alterações em projetos, e práticas de participação e comunicação do mandato, construíram um trabalho excelente que merece ter continuidade.

Se pudesse votar em dois, votaria também em Carlos Neder - 13666. www.carlosneder.org.br . Um político de uma tremenda seriedade e honestidade, ligado à área de saúde, faz uma campanha com poucos recursos e nítida má vontade da direção do PT contra ele. Era o vereador de que se ouvia de jornalistas “ se é do Neder, não tem truque, é coisa séria, pode ficar tranqüilo”. Foi considerado por ONGs o melhor vereador da atual legislatura.

Se pudesse votar em três votaria ainda na Soninha - 13108. www.soninha.com.br Temas novos como drogas, cultura jovem, reciclagem e um mandato que certamente atrairá pessoas para as questões políticas e participação.

Existem outras candidaturas sérias. Carlos Gianazzi, também do PT, defende a educação com unhas e dentes e é bem rebelde, por assim dizer. Odilon Guedes, da região do Jabaquara, é bastante ligado a questões de orçamento e participação. Tem gente que defende o voto em Paulo Teixeira, por conta de questões de “disputa interna” do PT, como contra peso ao poder de Rui Falcão e da família Tatto. Acho discutível, a diferença e a disputa, mas respeito.

Ao indicar apenas candidatos do PT, não quero dizer que são os únicos sérios. É apenas o meu campo. Dentro de outras visões ideológicas, existem políticos sérios (o termo em si já é um tanto relativo) em outros partidos.


PARTE 4 – PARA ALÉM DO VOTO E DESTA ELEIÇÃO (PÓS PT)

Ia escrever só a parte 5. Mas a iniciativa de um grupo de intelectuais (a palavra me incomoda e trabalho tanto com ela), de São Paulo de pregar o voto nulo ou em candidaturas à esquerda da do PT, me força à cair de boca nele. Curiosamente envolve uma série de autores da editora em que eu trabalho. Aos Favres com os escrúpulos de assessor de imprensa e vamos escrever sobre isso.

Pegue este dois textos publicados no site Carta Maior: SP prioriza o social, escrito por Emir Sader. E esta reportagem de Maurício Hashizume, que fala e coloca trechos do manifesto que pede o voto nulo, assinado por ex-petistas, ainda (acho) petistas, e ex-membros do governo: Desiludidos, intelectuais de esquerda optam por voto nulo. Curioso, né?

A opção pelo voto nulo é válida na vida. Embora discorde, admiro os anarquistas que tem uma visão coerente sobre o assunto, e que foram protestar no centro da cidade. Agora, isso vindo de pessoas que sequer ainda se desfiliaram do PT mostra que a raiva contra a traição do partido à sua origem feita pela cúpula do partido anda cegando. Principalmente quando se lê e se ouve de pessoas que defendem o voto nulo de que Serra e Marta são “iguais”, ou de que ficariam mais felizes com a vitória do primeiro, ou de que o PT é o neoliberalismo mais radical do que o PSDB.

A iniciativa e o manifesto seriam “conscientes”. A arrogância de arvorar-se assim é impressionante. Ele não menciona o segundo turno, nem uma postura em relação ao voto para o legislativo (muitos vão votar em vereadores do PT). Eu, que sempre fui tachado (para tirar sarro da minha cara) de anarquista, vejo me de repente com companhias insuspeitas.

Pior: alguns acenam, que no segundo turno, melhor seria votar em Serra, contra o PT, do que em Marta. Quem defende isso pode ter visto que o PT mudou, mas não notou que o PSDB mudou também, estando hoje muito mais à direita. Não notou à disputa que se dá em São Paulo, ainda que “não substantiva”, para quem tem a vida estável de “classe média crítica”, é revolucionária para quem anda de ônibus, ou tem auxílio de um programa da prefeitura. Que existe mais mecanismos de participação, por mais problemas que eles tenham. Que enfim, existe algo para se defender. Não vêm com quem e com que estão se aliando.

O governo de Marta não é simples, nem perfeito, nem ideal. A Articulação do PT fez de tudo, planejou e atuou para encurralar a esquerda a não ter opção e votar em Marta. Isso é triste? É. Mas deu certo por enquanto e não dá para brincar de mujahadin intelectual, a não se que se queira rifar a realidade, como o PCO que acha que bilhete único é medida contra os trabalhadores, realidade talvez já rifada faz tempo por alguns.

O país precisa de opções políticas de esquerda, para ser oposição e/ou opção ao PT. Mas estas opções têm que ser construídas, não são frutos de factóides. O voto inútil nesta eleição não vai ajudá-las, e votar em Marta não vai atrapalhar este objetivo. Neste momento, eleitoreiro, muito mais útil é reforçar as forças à esquerda dentro do próprio PT.

Ridículo é o tom de platonismo, de “República dos Sábios” que deriva de tudo isso. Mesmo sem concordar com a natureza desta palavra, eu não gosto de atacar o termo “intelectual”, em um país com tanta tradição de desprezo ao conhecimento e ao estudo. Meus problemas políticos com ela poderiam ser confundidos com esta truculência. Mas em momentos como esse fica difícil de não se irritar com a arrogância inerente a esta figura social.

domingo, setembro 26, 2004

SUPER-CABEÇÕES IMAGINÁRIA BANDA

Eles foram reunidos sem limitação de espaço, tempo, de estarem vivos ou mortos, de jabá, agenda ou orçamento. Com um objetivo: quebrar tudo, salvando a humanidade através do seu super som! Em tempos obscuros, contra Bush, FMI, Gugu Liberato, a violência, a caretice, a lógica e a lei do silêncio, lá estão eles. Os Super-Cabeções Imaginária Banda. Uma reunião de gênios inspiradores, super heróis da música, capazes de fazer rebolar qualquer quadril, de sorrir qualquer carranca, de parar qualquer guerra, de unir inimigos pela força do groove.

Reunidos por um ser misterioso que nenhum deles conhece, a liga é coordenada não por uma, mas por duas cabeças brilhantes, maestros que orquestram as estratégias da super equipe. Tom Jobim é o homem das missões mais delicadas, do jeito fino suave e discreto da bossa nova de se infiltrar pelos cantos mais perigosos, de passar pelas menores frestas, rolando macio e te pegando pelos pés e pela cabeça. Altamente consciente e integrado a natureza, conhece o canto dos pássaros para emocionar o coração e embalar a tardinha que cai. Isaac Hayes, literalmente uma cabeça brilhante, é o homem dos metais poderosos, especialista em operações noturnas, na balada lenta ou nas pancadas dançantes, solta a banda para missões nas grandes metrópoles internacionais, nos inferninhos do bem e do mal, no melhor estilo blaxploitation.
Os músicos de confiança destes senhores seguram a cozinha da coisa, não deixando o molho desandar. Na bateria, o homem polvo que vale por três, o som original da mãe África, onde tudo começou e para onde tudo retorna, mandando andamentos velozes, quebrados e complicados. Diretamente da Nigéria, Tony Allen.
No baixo, vocês o conhecem do clip do Dee Lite, o homem dos óculos que vêem estrelas. Mas muito, muito antes disso, ele já dava a linha para James Brown e outros papas do funk dançarem. Bootsy Coolins.
Na percussão Naná não nana não. E na cuíca, ele, que não se atrapalha e faz da suas risadas quase um ritmo adicional na pegada. Contra qualquer mau-humor, Mussum, o Original. Nele o samba, a birita e o bom humor pedem passagem.
Bota duas camadas, entre piano e teclado por cima disso. Mas bota pra pirar de vez mesmo. Aí chamaram os caras certos. No teclado Herbie Hancock leva um debate incompreensível para qualquer ser humano normal com a sua contraparte no piano, o velho e bom João Donato. Exposição excessiva a esta combinação mortal, ou tentar acompanhar suas notas de muito perto sem a proteção apropriada, ocasiona insanidade permanente. Verdadeiras melodias de criação em massa partem destes 20 dedos.
Na guitarra, não havia de haver outro capaz de segurar o bixo. Pondo fogo (literalmente) nas apresentações, ele que deixou a paz eterna para se juntar ao grupo: Jimi Hendrix. “Mesmo em um grupo como o nosso, Hendrix é um tipo especial” afirmou Hancock ao jornalista Hunter Thompson, que como free-lancer foi o único credenciado a acompanhar o grupo. As credenciais foram negadas a Oriana Fallaci e Norman Mailer, mas estão reconsiderando no caso dele.
O naipe de metais é também um duo, que faz um som do além. Oberdan Magalhães, o homem que juntou funk e samba no seu sax. E quem no trompete? Só poderia ser ele: Miles Davis. “Hey Hendrix, finalmente vamos fazer aquele disco juntos”, comentou ao chegar no primeiro ensaio. Ensaio é modo de dizer, que eles são que nem o Romário; pra que treinar se eles já sabem, ou melhor, nunca planejam o que fazer no próximo movimento desta jam brilhante?
O grupo não parou no tempo e colocou o hip-hop para ferver com um DJ e um MC. Muitos quiseram entrar na parada. Mas “ele”, a força por detrás do grupo, decidiu ir pelo “hip-hop old school” de Afrika Bambaata nas pick-ups e Chuck D do Public Enemy para soltar ocasionais e poderosos discursos rimados. Afinal esta é uma banda politizada.
A parede sonora tem sua linha de frente, a infantaria vocal, formada por duas colunas de três membros, uma feminina, outra masculina. Ás damas primeiro. Da fria Islândia, ela é pequena, ela é exótica, ela é Björk. Direto do Planeta Fome, ela tem energia, ela faz graves, médios e agudos, ela é do balacobaco, ela não é Ella, mas é Elza! Soares! E a principal vocalista é a Pelé da voz, com ritmo, carisma, técnica e emoção. Personalidade forte e geniosa comparável apenas ao líder de palco do grupo, arranca rabo nos ensaios mas é imprescindível e querida por todos. Elis Regina.
Do outro lado, os acompanhantes das ladies. Ele é um cavalheiro, ele é a voz, o charme e o estilo. Marvin Gaye, a voz divina. Ele é baderneiro. Fornece o bagulho, desanca o técnico de som e às vezes nem aparece. É o Tim Maia. Quilos e quilos de emoção e dá para ver que ele está feliz, que se sente bonito estando junto de um grupo desses. Ele não tem técnica vocal. Ele permanece a maior parte do show preso em uma jaula, amordaçado para não desafinar o conjunto. Mas aquele pequeno e impertinente inglês é um mal necessário e no fundo, bem no fundo, boa gente. Uma espécie de Wolverine dos super-cabeções, sem técnica nem groove, solto de vez em quando sob um solo de bateria para ir direto na jugular do inimigo com sua fúria selvagem e depois ser dominado apenas por Tim e Afrika se jogando em cima dele. O punk da banda. Há quem diga que não há lugar para ele em um grupo desses. Há quem diga que é apenas uma jogada de marketing. Mas ninguém tem coragem de dizer isso na cara dele. O ensandecido e incontrolável Johnny Rotten.
No palco, liderando esta patota, só poderia ser ele. Dizem que as três vocalistas agora são suas esposas. Dizem que ele assustou Jonnhy Rotten, que Hendirix achou-se careta, que Hancock não güentou uma de suas maratonas de shows de seis horas e que Bootsy Collins perdeu-se dele nos seus contratempos rítmicos. Completa o grupo, ou melhor o grupo não fica completo sem ele. E é o espírito mesmo. Nos vocais, piano e sax (quase todos ao mesmo tempo) dos super-cabeções, o homem que fez da música arma de guerrilha, e que com ela fundou um país. Do passado ao futuro, ninguém fez letras de protestos mais porrada, grooves mais dançantes, pele e sangue torturados transformados em som. O homem que não pode morrer, porque tem a morte em seu nome. O presidente negro. Fela Anikulapo Kuti, direto da República de Kalakuta.
Estes são o Super-Cabeções Imaginária Banda. Mas quem são seus inimigos? Quem juntou os super cabeções e por que? Quais serão seus álbuns? Onde será o próximo show? Quem ficou de fora e gostaria de entrar? Porque João Gilberto recusou o convite de ser um membro? Será que todos sobreviverão ao show que farão em frente à Casa Branca?
A resposta para esta e outras perguntas virão em um outro episódio, se vierem, em outro dia qualquer.

O BRASIL, O PATRIOTISMO O ABSTRATO E A PAREDE

Este texto nasce de algumas perguntas. O Brasil está dando certo ou errado? Ou o Brasil já deu certo? Ou o Brasil já é uma terra condenada a dar errado, que já era?
Na semana de sete de setembro, o Brasil, o governo, a Veja, o Buzina MTV etc...discutiram o patriotismo, o país, a independência X a missão do FMI. Chego atrasado. “Esta pauta já foi, não podemos repetir o assunto, agora só daqui três meses”, hão de dizer.
O debate rolou em torno da vontade do governo Lula de reanimar o sentimento patriótico. Apanhou muito, foi comparada a ditadura etc...Mas não é exatamente disso que quero falar.
Tem aquela frase da pátria ou o patriotismo ser o último refúgio dos canalhas, dos covardes, dos infames, algo assim. Concordo com este algo assim. Vide Bush, e é mesmo. Refúgio também de grandes negócios enrolados na bandeira. Outra frase boa relacionada é que guerra são pessoas que não se conhecem e se matam em nome de pessoas que se conhecem e não se matam. Opõem as relações dos ricos dos muitos países que jogam os pobres dos seus países uns contra os outros. Mas o patriotismo nem sempre é o refúgio dos covardes. Ás vezes é sincero e bonito, principalmente quando não parte dos mandatários nem se exige que se morra ou mate por ele, e quando não descamba para rejeição do outro, do estrangeiro. Mas novamente, não é do que eu quero falar. Chego lá.
Discute-se muito, o Brasil é isso, o Brasil é aquilo. Existem os ufanistas, os nacionalistas, existia o Brizola, tem a frase do João Gilberto (Fazer Brasil é coisa séria), existiam e existem pessoas obcecadas com a idéia de um projeto nacional, e contraditoriamente, embora concorde com os parágrafos acima e com a noção anarquista do homem acima das fronteiras e da violência inerente ao Estado, as vezes no meu canto inútil, gosto de pensar nisso também.
Cheguei no que quero escrever sobre.
Houve uma idéia de país a ser construída, do que o constitui, que foi sendo feita da semana de arte moderna, da adoção do Samba, dos departamentos de propaganda do Estado Novo, da construção de Brasília, Bossa Nova, cinema novo, industrialização, antropofagia e tropicalismo, ditadura militar, futebol e a costura da infra-estrutura comunicacional do Oiapoque ao Chuí, pela Globo.
Esta idéia de nação é cheia de contradições, desconstruções (tropicalismo), “modernizações conservadoras” (Bahia de ACM e a já citada Globo), “modernização conservadora afrancesada com pretensões hegemônicas paulista”(USP), e idéias que balançam, que são, ao mesmo tempo, objetivos e resultados bonitos no seu lado bom e hipocrisias concretas que dissimulam problemas no seu lado ruim. A principal delas é a democracia racial. Outra mais cínica e que foi reforçada com a chegada de Lula ao poder é a da fácil mobilidade social.
Estas idéias se discutem até hoje. O Brasil como idéia abstrata é facilmente manipulável, campo de disputa, cabo-de-guerra. É impressionante com que facilidade se diz que o Brasil é isso ou aquilo, que se sabe o que é o Brasil. Tema de Diogo Mainardi quase toda semana, em bater nesta idéia de país, em classificá-lo como inviável, um fracasso por natureza, sem explicar muito o porque disso. O homem, que escreve bem paca, provoca melhor ainda, talvez faça disso até sincera e bem remunerada profissão de fé. Mainardi bate porque é patriota, porque acha que esta é a sua melhor função. Provocar, criticar, destroçar a auto-estima nacional para ver se ela se move. É uma visão otimista e simpática do personagem, né? Veja bem, o sujeito escreve bem, e bem-sucedido, e eu não, tenho que guardar algum respeito (Rá! Rá!)...
Este Brasil abstrato que o governo faz campanha em cima, que o Galvão joga contra a Argentina, que tem gente que diz de que não se pode falar mal e tem os que só falam mal etc... Discutir o país assim me parece entre o estágio de formar uma idéia de nação e completá-la, ser esta nação algo natural, madura.
Primeiras modestas respostas, ou não respostas, às perguntas do começo do texto. O Brasil não deu certo, não haverá um dia que “deu certo” e acabou, podemos todos ir para a praia tomar caipirinha, como talvez a esquerda tenha parcialmente pensado (parte dela e parte da cabeça de quase toda) com a vitória de Lula. A vida continua e é contínua. E enquanto não estivermos com tanques americanos nas nossas ruas, como o Iraque, o Brasil não deu totalmente errado.
Mas a segunda leva de resposta é mais importante que à acima. O Brasil dá certo. Todo o dia. E dá terrivelmente errado. Todo o dia. Porque o Brasil não é uma simples entidade abstrata que dá para discutir fácil assim. E a vida de um território e daqueles que carregam esta identidade a gosto e a contragosto. Dá errado para muitos, certo para alguns. Dá certo naquela festa, naquele emprego, errado na violência policial, desigualdade, racismo. Tem muita coisa que dá errado que temos que consertar. E que dá certo, inclusive algumas coisas que dão mais certo aqui que em qualquer outro lugar, que temos que reforçar.
O país existe como uma parede existe. Temos que lidar com ele e somos tratados como brasileiros. Quando saímos do país vemos que temos características próprias, diferentes. Parte do nosso complexo subdesenvolvido é lidar com ele de forma tão abstrata, como se pudéssemos alterá-lo só na base da idéia, do verbo, ou nestes tempos Duda, na propaganda. O que nos afasta e impede de tratá-lo de forma real, das questões e disputas reais.
Terceira, para Mainardi, um ponto fundamental que discordamos, tenho a impressão, é que ele acha que o Brasil é como é porque deu errado. O país seria um desastre construído pela sua imbecilidade. E eu acho que o Brasil é o que é porque foi um projeto errado de meia dúzia em benefício próprio (parte desta meia dúzia costuma freqüentar as páginas do mesmo semanário onde Mainardi escreve), que deu e segue dando muito certo para eles e ruim para os outros. Ele acha que é homicídio culposo (na realidade que é culpa da vítima) e eu que é doloso. Uma diferencinha básica.
Lógico, que aqui, como na Venezuela que é o exemplo mais claro, tem setores que de fato jogam contra o país, porque seus interesses e identidade estão ligados à exploração deste canto subdesenvolvido (particularmente aos dos EUA), e dos pobres deste país. E claro que em um mundo complexo, a relação com estes setores não é simples, já que o poder econômico ligado a eles é capaz de restringir, fazer chantagem, isolar e retaliar o poder do estado (são quase o mesmo) e a população.
Num parágrafo mais chato, mas talvez a disputa hoje seja exatamente esta, e é lógico que privilegiar o capital financeiro que pode sair do país em um clique, é menos construção nacional do que privilegiar os trabalhadores que tem laço e constroem o país e sua vida nele. Hoje decidem a taxa de juros.
Mas para encerrar este papo em cima, a quarta rodada de resposta é o sublime resumo de tudo isso, pelo artista Tom Jobim, que depois de dizer que “a saída da música brasileira é o aeroporto”, no que talvez siga tendo razão, cunhou esta maravilha.”Os Estados Unidos é bom, mas uma bosta. O Brasil é uma bosta, mas é bom”. No campo das definições abstratas do Brasil, acho difícil algo melhor que isso.