domingo, setembro 26, 2004

SUPER-CABEÇÕES IMAGINÁRIA BANDA

Eles foram reunidos sem limitação de espaço, tempo, de estarem vivos ou mortos, de jabá, agenda ou orçamento. Com um objetivo: quebrar tudo, salvando a humanidade através do seu super som! Em tempos obscuros, contra Bush, FMI, Gugu Liberato, a violência, a caretice, a lógica e a lei do silêncio, lá estão eles. Os Super-Cabeções Imaginária Banda. Uma reunião de gênios inspiradores, super heróis da música, capazes de fazer rebolar qualquer quadril, de sorrir qualquer carranca, de parar qualquer guerra, de unir inimigos pela força do groove.

Reunidos por um ser misterioso que nenhum deles conhece, a liga é coordenada não por uma, mas por duas cabeças brilhantes, maestros que orquestram as estratégias da super equipe. Tom Jobim é o homem das missões mais delicadas, do jeito fino suave e discreto da bossa nova de se infiltrar pelos cantos mais perigosos, de passar pelas menores frestas, rolando macio e te pegando pelos pés e pela cabeça. Altamente consciente e integrado a natureza, conhece o canto dos pássaros para emocionar o coração e embalar a tardinha que cai. Isaac Hayes, literalmente uma cabeça brilhante, é o homem dos metais poderosos, especialista em operações noturnas, na balada lenta ou nas pancadas dançantes, solta a banda para missões nas grandes metrópoles internacionais, nos inferninhos do bem e do mal, no melhor estilo blaxploitation.
Os músicos de confiança destes senhores seguram a cozinha da coisa, não deixando o molho desandar. Na bateria, o homem polvo que vale por três, o som original da mãe África, onde tudo começou e para onde tudo retorna, mandando andamentos velozes, quebrados e complicados. Diretamente da Nigéria, Tony Allen.
No baixo, vocês o conhecem do clip do Dee Lite, o homem dos óculos que vêem estrelas. Mas muito, muito antes disso, ele já dava a linha para James Brown e outros papas do funk dançarem. Bootsy Coolins.
Na percussão Naná não nana não. E na cuíca, ele, que não se atrapalha e faz da suas risadas quase um ritmo adicional na pegada. Contra qualquer mau-humor, Mussum, o Original. Nele o samba, a birita e o bom humor pedem passagem.
Bota duas camadas, entre piano e teclado por cima disso. Mas bota pra pirar de vez mesmo. Aí chamaram os caras certos. No teclado Herbie Hancock leva um debate incompreensível para qualquer ser humano normal com a sua contraparte no piano, o velho e bom João Donato. Exposição excessiva a esta combinação mortal, ou tentar acompanhar suas notas de muito perto sem a proteção apropriada, ocasiona insanidade permanente. Verdadeiras melodias de criação em massa partem destes 20 dedos.
Na guitarra, não havia de haver outro capaz de segurar o bixo. Pondo fogo (literalmente) nas apresentações, ele que deixou a paz eterna para se juntar ao grupo: Jimi Hendrix. “Mesmo em um grupo como o nosso, Hendrix é um tipo especial” afirmou Hancock ao jornalista Hunter Thompson, que como free-lancer foi o único credenciado a acompanhar o grupo. As credenciais foram negadas a Oriana Fallaci e Norman Mailer, mas estão reconsiderando no caso dele.
O naipe de metais é também um duo, que faz um som do além. Oberdan Magalhães, o homem que juntou funk e samba no seu sax. E quem no trompete? Só poderia ser ele: Miles Davis. “Hey Hendrix, finalmente vamos fazer aquele disco juntos”, comentou ao chegar no primeiro ensaio. Ensaio é modo de dizer, que eles são que nem o Romário; pra que treinar se eles já sabem, ou melhor, nunca planejam o que fazer no próximo movimento desta jam brilhante?
O grupo não parou no tempo e colocou o hip-hop para ferver com um DJ e um MC. Muitos quiseram entrar na parada. Mas “ele”, a força por detrás do grupo, decidiu ir pelo “hip-hop old school” de Afrika Bambaata nas pick-ups e Chuck D do Public Enemy para soltar ocasionais e poderosos discursos rimados. Afinal esta é uma banda politizada.
A parede sonora tem sua linha de frente, a infantaria vocal, formada por duas colunas de três membros, uma feminina, outra masculina. Ás damas primeiro. Da fria Islândia, ela é pequena, ela é exótica, ela é Björk. Direto do Planeta Fome, ela tem energia, ela faz graves, médios e agudos, ela é do balacobaco, ela não é Ella, mas é Elza! Soares! E a principal vocalista é a Pelé da voz, com ritmo, carisma, técnica e emoção. Personalidade forte e geniosa comparável apenas ao líder de palco do grupo, arranca rabo nos ensaios mas é imprescindível e querida por todos. Elis Regina.
Do outro lado, os acompanhantes das ladies. Ele é um cavalheiro, ele é a voz, o charme e o estilo. Marvin Gaye, a voz divina. Ele é baderneiro. Fornece o bagulho, desanca o técnico de som e às vezes nem aparece. É o Tim Maia. Quilos e quilos de emoção e dá para ver que ele está feliz, que se sente bonito estando junto de um grupo desses. Ele não tem técnica vocal. Ele permanece a maior parte do show preso em uma jaula, amordaçado para não desafinar o conjunto. Mas aquele pequeno e impertinente inglês é um mal necessário e no fundo, bem no fundo, boa gente. Uma espécie de Wolverine dos super-cabeções, sem técnica nem groove, solto de vez em quando sob um solo de bateria para ir direto na jugular do inimigo com sua fúria selvagem e depois ser dominado apenas por Tim e Afrika se jogando em cima dele. O punk da banda. Há quem diga que não há lugar para ele em um grupo desses. Há quem diga que é apenas uma jogada de marketing. Mas ninguém tem coragem de dizer isso na cara dele. O ensandecido e incontrolável Johnny Rotten.
No palco, liderando esta patota, só poderia ser ele. Dizem que as três vocalistas agora são suas esposas. Dizem que ele assustou Jonnhy Rotten, que Hendirix achou-se careta, que Hancock não güentou uma de suas maratonas de shows de seis horas e que Bootsy Collins perdeu-se dele nos seus contratempos rítmicos. Completa o grupo, ou melhor o grupo não fica completo sem ele. E é o espírito mesmo. Nos vocais, piano e sax (quase todos ao mesmo tempo) dos super-cabeções, o homem que fez da música arma de guerrilha, e que com ela fundou um país. Do passado ao futuro, ninguém fez letras de protestos mais porrada, grooves mais dançantes, pele e sangue torturados transformados em som. O homem que não pode morrer, porque tem a morte em seu nome. O presidente negro. Fela Anikulapo Kuti, direto da República de Kalakuta.
Estes são o Super-Cabeções Imaginária Banda. Mas quem são seus inimigos? Quem juntou os super cabeções e por que? Quais serão seus álbuns? Onde será o próximo show? Quem ficou de fora e gostaria de entrar? Porque João Gilberto recusou o convite de ser um membro? Será que todos sobreviverão ao show que farão em frente à Casa Branca?
A resposta para esta e outras perguntas virão em um outro episódio, se vierem, em outro dia qualquer.

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