domingo, setembro 26, 2004

O BRASIL, O PATRIOTISMO O ABSTRATO E A PAREDE

Este texto nasce de algumas perguntas. O Brasil está dando certo ou errado? Ou o Brasil já deu certo? Ou o Brasil já é uma terra condenada a dar errado, que já era?
Na semana de sete de setembro, o Brasil, o governo, a Veja, o Buzina MTV etc...discutiram o patriotismo, o país, a independência X a missão do FMI. Chego atrasado. “Esta pauta já foi, não podemos repetir o assunto, agora só daqui três meses”, hão de dizer.
O debate rolou em torno da vontade do governo Lula de reanimar o sentimento patriótico. Apanhou muito, foi comparada a ditadura etc...Mas não é exatamente disso que quero falar.
Tem aquela frase da pátria ou o patriotismo ser o último refúgio dos canalhas, dos covardes, dos infames, algo assim. Concordo com este algo assim. Vide Bush, e é mesmo. Refúgio também de grandes negócios enrolados na bandeira. Outra frase boa relacionada é que guerra são pessoas que não se conhecem e se matam em nome de pessoas que se conhecem e não se matam. Opõem as relações dos ricos dos muitos países que jogam os pobres dos seus países uns contra os outros. Mas o patriotismo nem sempre é o refúgio dos covardes. Ás vezes é sincero e bonito, principalmente quando não parte dos mandatários nem se exige que se morra ou mate por ele, e quando não descamba para rejeição do outro, do estrangeiro. Mas novamente, não é do que eu quero falar. Chego lá.
Discute-se muito, o Brasil é isso, o Brasil é aquilo. Existem os ufanistas, os nacionalistas, existia o Brizola, tem a frase do João Gilberto (Fazer Brasil é coisa séria), existiam e existem pessoas obcecadas com a idéia de um projeto nacional, e contraditoriamente, embora concorde com os parágrafos acima e com a noção anarquista do homem acima das fronteiras e da violência inerente ao Estado, as vezes no meu canto inútil, gosto de pensar nisso também.
Cheguei no que quero escrever sobre.
Houve uma idéia de país a ser construída, do que o constitui, que foi sendo feita da semana de arte moderna, da adoção do Samba, dos departamentos de propaganda do Estado Novo, da construção de Brasília, Bossa Nova, cinema novo, industrialização, antropofagia e tropicalismo, ditadura militar, futebol e a costura da infra-estrutura comunicacional do Oiapoque ao Chuí, pela Globo.
Esta idéia de nação é cheia de contradições, desconstruções (tropicalismo), “modernizações conservadoras” (Bahia de ACM e a já citada Globo), “modernização conservadora afrancesada com pretensões hegemônicas paulista”(USP), e idéias que balançam, que são, ao mesmo tempo, objetivos e resultados bonitos no seu lado bom e hipocrisias concretas que dissimulam problemas no seu lado ruim. A principal delas é a democracia racial. Outra mais cínica e que foi reforçada com a chegada de Lula ao poder é a da fácil mobilidade social.
Estas idéias se discutem até hoje. O Brasil como idéia abstrata é facilmente manipulável, campo de disputa, cabo-de-guerra. É impressionante com que facilidade se diz que o Brasil é isso ou aquilo, que se sabe o que é o Brasil. Tema de Diogo Mainardi quase toda semana, em bater nesta idéia de país, em classificá-lo como inviável, um fracasso por natureza, sem explicar muito o porque disso. O homem, que escreve bem paca, provoca melhor ainda, talvez faça disso até sincera e bem remunerada profissão de fé. Mainardi bate porque é patriota, porque acha que esta é a sua melhor função. Provocar, criticar, destroçar a auto-estima nacional para ver se ela se move. É uma visão otimista e simpática do personagem, né? Veja bem, o sujeito escreve bem, e bem-sucedido, e eu não, tenho que guardar algum respeito (Rá! Rá!)...
Este Brasil abstrato que o governo faz campanha em cima, que o Galvão joga contra a Argentina, que tem gente que diz de que não se pode falar mal e tem os que só falam mal etc... Discutir o país assim me parece entre o estágio de formar uma idéia de nação e completá-la, ser esta nação algo natural, madura.
Primeiras modestas respostas, ou não respostas, às perguntas do começo do texto. O Brasil não deu certo, não haverá um dia que “deu certo” e acabou, podemos todos ir para a praia tomar caipirinha, como talvez a esquerda tenha parcialmente pensado (parte dela e parte da cabeça de quase toda) com a vitória de Lula. A vida continua e é contínua. E enquanto não estivermos com tanques americanos nas nossas ruas, como o Iraque, o Brasil não deu totalmente errado.
Mas a segunda leva de resposta é mais importante que à acima. O Brasil dá certo. Todo o dia. E dá terrivelmente errado. Todo o dia. Porque o Brasil não é uma simples entidade abstrata que dá para discutir fácil assim. E a vida de um território e daqueles que carregam esta identidade a gosto e a contragosto. Dá errado para muitos, certo para alguns. Dá certo naquela festa, naquele emprego, errado na violência policial, desigualdade, racismo. Tem muita coisa que dá errado que temos que consertar. E que dá certo, inclusive algumas coisas que dão mais certo aqui que em qualquer outro lugar, que temos que reforçar.
O país existe como uma parede existe. Temos que lidar com ele e somos tratados como brasileiros. Quando saímos do país vemos que temos características próprias, diferentes. Parte do nosso complexo subdesenvolvido é lidar com ele de forma tão abstrata, como se pudéssemos alterá-lo só na base da idéia, do verbo, ou nestes tempos Duda, na propaganda. O que nos afasta e impede de tratá-lo de forma real, das questões e disputas reais.
Terceira, para Mainardi, um ponto fundamental que discordamos, tenho a impressão, é que ele acha que o Brasil é como é porque deu errado. O país seria um desastre construído pela sua imbecilidade. E eu acho que o Brasil é o que é porque foi um projeto errado de meia dúzia em benefício próprio (parte desta meia dúzia costuma freqüentar as páginas do mesmo semanário onde Mainardi escreve), que deu e segue dando muito certo para eles e ruim para os outros. Ele acha que é homicídio culposo (na realidade que é culpa da vítima) e eu que é doloso. Uma diferencinha básica.
Lógico, que aqui, como na Venezuela que é o exemplo mais claro, tem setores que de fato jogam contra o país, porque seus interesses e identidade estão ligados à exploração deste canto subdesenvolvido (particularmente aos dos EUA), e dos pobres deste país. E claro que em um mundo complexo, a relação com estes setores não é simples, já que o poder econômico ligado a eles é capaz de restringir, fazer chantagem, isolar e retaliar o poder do estado (são quase o mesmo) e a população.
Num parágrafo mais chato, mas talvez a disputa hoje seja exatamente esta, e é lógico que privilegiar o capital financeiro que pode sair do país em um clique, é menos construção nacional do que privilegiar os trabalhadores que tem laço e constroem o país e sua vida nele. Hoje decidem a taxa de juros.
Mas para encerrar este papo em cima, a quarta rodada de resposta é o sublime resumo de tudo isso, pelo artista Tom Jobim, que depois de dizer que “a saída da música brasileira é o aeroporto”, no que talvez siga tendo razão, cunhou esta maravilha.”Os Estados Unidos é bom, mas uma bosta. O Brasil é uma bosta, mas é bom”. No campo das definições abstratas do Brasil, acho difícil algo melhor que isso.

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