sexta-feira, abril 22, 2005

PANTÂNO E O CINEMA COMO LUPA E CASSETETE

Está saindo em DVD O Pântano (La Ciénaga), de Lucrecia Martel. É sensacional. Um filme cuja relação com a crise da classe média argentina lembra a frase de Francis Ford Coppola sobre Apocalipse Now. Não é um filme sobre a guerra do Vietnã. É a guerra do Vietnã.

E é mais do que isso. Chamar de metáfora da crise do nosso vizinho é fácil demais, como bem aponta Ricardo Calil em excelente crítica no nominimo (A ‘buena onda’ argentina 7/04/2005). Permite que digamos "não é conosco". Quando muitas das cenas devem tocar na memória de qualquer latino-americano de classe média, ainda mais falida, entre férias, empregados e negação da realidade (e do trabalho).

Além de ser apenas uma afirmação clichê, porque muito mais do que metáfora, o filme observa com lupa seus personagens. Usa para tanto o recurso mais específico e forte do cinema: o plano. É nele, nas escolhas de ângulo e proximidade, deslizam atuações, cenografia, diálogos e trama, com muito mais força.

Com a combinação destes elementos é um filme de abrangência impressionante que trata das relações familiares, raciais, de classe na américa latina, catolicismo (uma crítica poderosa em dias de novo (velho) papa), de gênero (machismo, homossexualismo), desejo e repressões. O filme não "fala" disso. Ele mostra isso. Articulando na construção das cenas, vários personagens e histórias. Com profundidade nos sulcos do rosto, na atuação física, no figurino etc...De forma tranquila, sem discurso, é o filme que melhor executa, que o faz na síntese da imagem uma das melhores características comuns da buena onda argentina: a relação firme, mas não forçada, nem esquemática, entre a história dos personagens e o contexto social que os cerca. É um dos filmes mais políticos que eu já vi.

O cinema é ilusão por natureza. Mas através desta ilusão, O Pântano alcança um realismo tal, tão violento no ranger das cadeiras arrastadas, que necessita de uma coragem, inteligência e técnica tremenda para serem atingidos. Lucrecia Martel surge como um nome que ainda deve produzir muita coisa boa para o cinema, porque ninguém acerta um alvo deste por acaso. Tanto que Pedro Alomodóvar saiu para produzir seu segundo filme. E se você ainda não viu, saia, alugue o DVD e vá ver o seu primeiro.

PS: O melhor da linguagem cinematográfica demanda atenção de quem assiste, o que é sempre um risco na tela pequena e fora da sala de cinema, com telefone, parentes etc...Proteja-se!

FRASE

Ou no caso, phrase: "All things must end. But all things must be sold?"

quarta-feira, abril 20, 2005

TEORIA E PRÁTICA DO CASO

A representação mais brega e comun da teoria do caos é aquela que diz que uma borboleta bate asas na China, causando um vendaval não sei aonde.

Duas notícias que batem neste fim-de-tarde parecem estar bem mais próximas que a borboleta e o vendaval. O Comitê de Política Monetária (Copom), eleva mais uma vez a taxa de juros do Brasil, que já era a mais alta do mundo, cinco pontos percentuais a mais que a da Turquia, a segunda colocada. Subiu 0,25%, movimento detectado/estimulado por alguns agentes do sistema financeiro, como o Unibanco. Enquanto isso no Equador, Lucio Gutierrez, que chegou ao poder em uma "revolução indígena" de esquerda, cai pelas mãos da mesma esquerda, após traí-la e aprofundar as políticas neoliberais na economia dolarizada do país.
As borboletas, daqui e do Equador, segue tentando sobreviver ao vendaval...