quarta-feira, setembro 15, 2004

A HOMEPAGE DA VIDA PRIVADA

A tecnologia é pródiga em resolver problemas que não existiam antes dela. A frase é e feita, mas que o digam aqueles que fazem fortunas com anti-vírus. E é prolífica também em gerar uma série de novas questões de semântica e etiqueta. Além de ser muito boa para imprimir etiquetas.
Óbvio que o principal disso gira em torno do Orkut, assunto espancado de tão batido. Surpreso que ele ainda não tenha aparecido em algum discurso patriótico do Lula, como símbolo da nossa superpotência, a hegemonia territorial sobre o mundo das amizades virtuais.
Então, o que significa hoje ser ou não ser “amigo”, “friend”? Chandler, Monica, Ross, Rachell, Phoebe e Joey? Aquele cara que você não lembra quem é, mas vai aceitar porque não sabe dizer, no caso clicar, "no"?
Os corredores de fotos do Orkut me lembram a imagem de pessoas nas janelas de uma cidade do interior, fofocando da vida uns dos outros, olhando o movimento na rua. Todos se conhecem, um pequeno centro antigo de uma cidade histórica de Minas, onde as pessoas comentam que fulano é amigo do sicrano, está solteiro, tem uma queda por Lisbela, admira muito o comendador, mas que o filho da vizinha anda com um pessoal esquisito que gosta de um tal de Bob Marley e que queima um mato esquisito. O Orkut tem de desvantagem da fofoca mineira que nele não acompanha pão-de-queijo.
Maria Creusa, 32 anos, solteira, tricota. “Quem acredita nesta história de open relationship?” Eu fiquei espantado, com as liberalidades de certos casais, que me pareciam tão conservadores. O outro me passa a senha. “A mulher dele não sabe nem o que é enter, e toda vez que falam em Orkut, ela procura na seção de laticínios para comprar para as crianças.” Nelson Rodrigues de certo haveria de amar o Orkut, os chats de sexo virtual, os serviços orais por telefone. Talvez muito onanismo e pouca ação, menos ainda traição e reação para fazer deles tema de uma peça batuta, um enredo batata, mas vivemos na era da fama mais do que de deitar na cama.
Se o namoro acaba, para todo mundo ver, vai deixar de ser commited para ser single? Colocar “dating (wo)men”? Mudar a orientação sexual? Vai publicar sua vida privada? Quer falar disso em um scrap? Tirei a questão do meu questionário.
Ás vezes dá vontade, dá saudade, quando sonho de liberdade era não ter que dar satisfação para ninguém. Sem identidade, sem destino, sem endereço. Real ou virtual. Ao menos dar-se o luxo de poder ser discreto.
E afinal, quanto tempo é elegante esperar antes de pedir para gravar o CD que você não tem e deu para o amigo de aniversário?