sexta-feira, abril 15, 2005

Eu: EGO, SUPEREGO, ID e HD

O Estado sou eu – disse Luis XIV, monarca absolutista da França. Está em um estado lastimável – disse-me o técnico em computação. Falava do meu HD. Arrematou o diagnóstico: este é péssimo, talvez até de segunda mão, por isso estava lento. Já veio ruim e está piorando a cada dia. Fez bem em trazer. Já está dando problema na memória e você corria risco de ter uma pane geral e perder tudo. Tudo? Tudo.

Tive uma impressão de que falava de mim. O HD sou eu? – perguntei-me Eu I (não acredito em reencarnação...). Sentia-me improdutivo, o tempo rendendo menos que meus colegas, como se menos esperto e capaz. O trabalho e stress acumulando, quase a me dar um pau. Seria mesmo eu, ou a minha extensão, os meus periféricos? Onde acaba um e começa o outro.

A potência do playboy na caminhonete, do músico no amplificador, do soldado no fuzil, do apresentador nas ondas de TV, de qualquer um na amplidão positiva ou profundidade do negativo da sua conta bancária.

Meu ego no HD, minha memória, o que fiz e um tanto do que sou em RAM. Textos políticos, experiências, mensagens de começo e fim de amores. Seriam nossos softwares compatíveis? Ou tem razão e suas últimas atualizações deixaram meu modelo obsoleto e seu CD já não roda mais no meu disco rígido?

Será que no futuro teremos psicanalistas de sistema? “Conte-me mais sobre seu sistema operacional”, pergunta para nós e o laptop, no divã...

O transplante foi um sucesso. O computador passa bem, não houve problemas de rejeição ao novo HD e a memória está de volta, com uma velocidade de quando eu tinha uns 20 anos, com a experiência de 50. Sinto-me mais moço, mais vigoroso. Baixo músicas moderninhas pela web, arranjei uma nova comunidade de amigos no Orkut e coloquei uma foto toda-toda no meu Messenger. Oi, gatinha, sabia que minha conexão a cabo é banda larga? A minha esposa diz que eu estou vivendo a crise da meia idade, que antecede a minha total obsolência programada. E ironizou: acho até que você durou muito, já veio cheio de defeitos de fábrica. Deviam fazer era um recall...Ela anda muito engraçadinha.

Após uma sessão de bate-papo com um monte de gente querida que há tempos não vejo ao vivo desliguei-me, ops, desliguei o computador. E refletido na tela, vi meu próprio rosto. Pensei, sem extensões, arquivos ou conexões.
Eu sou apenas eu.
Confesso que fiquei um pouco assustado.

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