domingo, maio 06, 2007

Virada Cultural - "re-clamar" as ruas...

A 3ª Virada Cultural acabou, e deve ser ofuscada na "medida mediática das coisas" pela prevísivel (óbvia, para quem lá estava pela 12:00) batalha campal que aconteceu entre o público dos Racionais MC´s e a Polícia Militar. Como não é o que acho mais importante, deixo para o fim do post.
A Virada mostrou que existe em São Paulo um déficit, um potencial, uma fome imensa de arte, de rua, do centro da cidade, de encontro, de expressão, de liberdade. Tamanho déficit que as vezes explodiu, e arrebentou em um excesso de bebida ou na violência do incidente da Sé. Mas os contratempos não devem parar a vida, ou serem maiores que ela...
A secretaria de cultura também pode ser criticada por não fazer muito no resto do ano, ou por não dar recursos decentes para o bom funcionamento ou mesmo o funcionamento de certos equipamentos. Nota-se isso pelos poucos equipamentos culturais da própria secretaria que participaram da Virada (com a exceção do Municipal e dos CEUs, que assim seguem comprovando sua vocação como rede importante de cultura na periferia, outro potencial subaproveitado).
Mas é impossível não admirar e não reconhecer que a Virada Cultura NÃO é um simples evento e sua importância como subversão e demostração das possibilidades da cidade, do seu centro e da cultura como transformação. Até dá para entender nela, o que talvez Guilberto Gil quis dizer com a cultura para um "Do-in" antropológico...No caso, eu diria urbanístico... A Virada explica mais que qualquer discurso, a importância de uma política cultural do estado, como ela pode ser transformadora e relevante.
É triste, vale dizer de novo, pensar que o problema óbvio e real de rancores e violência que brotam em um show dos Racionais (onde no conflito nenhum dos lados detém toda a culpa e todos têm um pouco, e todos executaram seu papéis "previsivelmente"...) apague a ocupação das ruas como cidade de fato, não mero comercial, a integração e alegria das pessoas que o ocupavam, tornando-o público. De gente que mora em São Paulo faz anos e que pela primeira vez conhecia o centro. Da cara que poderia ser bonita e mais humana da cidade onde as pessoas caminham sem medo, se misturam entre classes sociais, e se encontram. De um espaço recriado e reanimado pela criação.
E aí existe o outro lado importante da Virada Cultural, e porque ela não é um simples evento. Ela nitidamente deu um sentido diferente aos shows que nela aconteceram, e isso deu para eu notar a ver grupos que já assisti, como Clube do Balanço com Erasmo Carlos, ou João Donato. Não era mais um show em um espaço que não tem como escapar de ser delimitado e careta, por melhor que seja, e o Sesc Pompéia o é. Era uma ação com um sentido, inclusive político. Erasmo Carlos estava visivelmente emocionado e orgulhoso de lá tocar. Ali a arte deixou de ser entretenimento, produto, e voltou a ter seu sentido entre o sacro e o profano, de congraçamento e renovação. Sua "Além do Horizinte" ganhou todo um novo sentido, ou melhor dizendo, retomou seu sentido. A arte fica mais excitante, mais arte. Quem quiser pode aproveitar horrores da experiência.
E isso me lembrou um movimento inglês da virada do milênio chamado Reclaim the streets (retome as ruas). Que queria através de festa/protestos de surpresa as ruas, justamente isso: retomar o espaço urbano para as pessoas, para o encontro, para a alegria, para a comunidade, para a liberdade.
É irônico que uma prefeitura (e um governo do estado) conservadora, com um secretário de cultura não conservador, e com uma eminência parda ultra reacionária, como Andrea Mattarazzo*, tenha organizado este evento. Certas coisas, como proibir poluição visual, cobrar zona azul no Ibirapuera e fazer a virada cultural, só os conservadores de outros partidos (não os do PT...) poderiam fazer...Que sejam boas heranças (não a Zona Azul no Ibira) antes deles caírem fora...porque corredor de ônibus, transporte alternativo, e políticas na periferia não são com eles.
A Virada tinha que ser também de política e atitude em relação ao centro em particular e as ruas em geral...reocupá-las, nos reencontrarmos nelas, recriarmos e acreditarmos na nossa cidade, em nós mesmos, porque o risco envolvidos em viver isso é muito menor que o vazio seguro dos alphavilles, shoppings e Vila Olímpias da vida. E os ganhos tão maiores...
* Mattarazzo, o Andrea, não o Eduardo, deve ter ficado feliz pela Virada em seus esforços para gerar insônia nos moradores de rua. Este é outro ponto triste do negócio. Ela aconteceu na casa dos que não tem casa...Até nisso, viver e andar as ruas é importante. Ele nos força a encarar os problemas com uma proximidade, velocidade e escala mais humanas...

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