Amanhã será exibido nos Estados Unidos o último episódio da série Heroes. Assistirei na internet na manhã seguinte. Adoro Heroes. É um seriado sensacional. Funciona como uma transposição de anos de expertise nerd, de roteiristas fãs de TV, quadrinhos e construção de estruturas narrativas imensas, de RPGs etc, com um setor da indústria cultural (a de seriados) que amadureceu e evoluiu muito nos últimos anos.
Por isso resolvi escrever um texto sobre as influências da série. Até porque se "quebro" direitos autorais vendo-a pela web ao invés de esperar meses para fazer a mesma coisa na TV que eu já pago para ter (e quem disse que eu vou assistir aos comerciais?), vale a pena expor influências para mostrar como a produção cultural é por natureza uma retroalimentação, que se produz coletivamente, em diálogos e acumúlos de várias fontes. Vamos lá a este mico nerd:
Influências de Heroes
X-men: A influência mais óbvia é a dos quadrinhos de mutantes dos X-men. Praticamente todo mundo explica Heroes como "É tipo os X-men". Stan Lee, que distanciou a Marvel da DC Comics ao crias quadrinhos mais "realistas" (e duas aspas é pouco para o uso desta palavra) popularizou o conceito darwinista de "mutantes", pessoas com superpoderes que representariam um novo passo evolucionário, e suas dificuldades e desafios em aprender a dominar seus poderes natos e de conviver com os humanos normais . Mas foi o inglês Chris Claremont que reinventou os X-men, transformando-o em um grupo multiétnico, com pessoas de vários países e explorando mais as diferenças culturais e a questão de os seus poderes os fazerem não só mais poderosos, mas também párias. Ele sacou que o público internacional que consumia os quadrinhos produzidos nos Estados Unidos teria interesse em se ver neles, e que disso poderia extrair personagens e conflitos mais interessantes do que mantendo-os apenas dentro de um contexto norte-americano mais estreito. Claro, eles ainda estão subordinados à este contexto e ponto de vista, mas o enriquecem. Claremont transformou os X-men em fenômeno e no título mais importante da Marvel. O diretor de cinema Brian Synger, fez um trabalho incrível em conseguir adaptar as questões, poderes e personagens dos X-Men ao universo audiovisual, que necessariamente demanda uma verossimlhança mais apurada que a dos quadrinhos.
Robert Altman: O cineasta norte-americano trabalhou um bom tempo desenvolvendo a arte de criar narrativas em forma de grandes painéis, com muitos persoangens que se cruzam ou não, por exemplo, no filme Short Cuts e Prêt-à-Porter. Vários outros diretores passaram a trabalhar mais com narrativas paralelas com pontos de tangência após isso. Magnólia e Babel são alguns exemplos. Heroes usa este recurso com maestria.
Watchmen: Watchmen é o ponto máximo dos quadrinhos de super-heróis. A minissérie de Alan Moore, além de trabalhar as possibilidades dos super-heróis em um mundo realista e suas neuroses, tinha como trama uma conspiração que queria explodir Manhattan (uma verdadeira obssessão compartilhada pela indústria cultural e de Bin-laden) com o objetivo de unir o mundo. Alguma semelhança com a trama principal de Heroes? Aliás, é muito bacana e pouco comentada os paralelos entre Nathan Petrelli e George Bush, e seu 11 de setembro. A série é entretenimento, mas trabalha bem com o clima político e a questão de 11/9, principalmente em seu melhor episódio, o 20°, que se passa em um futuro fascista (aí a crítica a Bush é direta), e a mania dos norte-americanos por teorias da conspiração. O incosciente da série passa pelas questões da alteridade e segurança, levantadas pelo 11 de setembro e a guerra contra o terror.
Novo universo Marvel: Talvez a menos citada influência da série, e uma das mais importantes, seja a experiência (fracassada) da Marvel dirigida por Jim Shooter, na segunda metade da década de 80, de fazer um "novo" universo de super-heróis, muito mais realista. Durou três anos. Eu duvido que os roteiristas não tenham lido "Estigma", ou "PN-7" quando adolescentes...De cara o eclipse do começo da série e que é a sua abertura, lembra o "clarão" que dá início ao Novo Universo. Que também tinha um vilão que queria ser presidente dos Estados Unidos e que absolvia poderes de quem encontrava (os dois Petrellis na mesma pessoa), uma loira com super-força e heróis desajustados no PN-7 etc...
Lost: Só o sucesso de Lost explica como a TV norte-americana topou financiar uma série tão complexa e cara como Heroes, baseada em roteiristas e não em astros. Heroes foi implantado para concorrer com Lost nos Estados Unidos. Mas são também os erros de Lost, na questão de "gerenciamento de segredos" que nitidamente, e isso é assumido, significam a evolução de Heroes em relação aos perdidos na ilha. Como diz o criador da série, Tim Kring, ele se reuniu com um escritor que trabalhou para ele, e que hoje é do time de criação de Lost, para conversar sobre erros e acertos deles com o show. Heroes tem uma premissa muito mais livre no tempo e no espaço, e transformou o uso de "criar e revelar" segredos como gancho para prender o espectador em uma forma de arte. Lógico que com o tempo vai se desgastar (está difícil manter o clímax após o episódio 20), mas eles vão tentar dar soluções novas para este problema.
Esta matéria, em inglês, do Boston Globe, tem um gancho bobo de "teoria da conspiração" mas avança para dar conta da complexidade e da troca de idéias que faz uma indústra cultural madura. É muito legal para conhecer os bastidores da concepção da série.
Claro, Heroes, não é realista, é um produtão, seus personagens não são um mundo de profundidade, tem vários furos no roteiro, natural já que é tão complexo, como "porque X não usou este poder para impedir aquilo", e trabalha de um jeito genial com a falta de recursos, usando efeitos especiais pontualmente e resolvendo questõs com soluções espertas de som e edição (como praticamente nunca vermos Nikki/Jessica usar realmente seus poderes)... Mas é brilhante, muito bem feito divertidíssimo. Tá bom demais.
domingo, maio 20, 2007
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