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GUILHERME WISNIK
Um dos maiores patrimônios da cultura brasileira viva, teatro Oficina continua a disputa com Silvio Santos
MAIS UM capítulo na disputa entre o Grupo Silvio Santos e o teatro Oficina: depois de induzir o destombamento e a demolição de sobrados de interesse histórico nos terrenos que adquiriu para a construção de um shopping, o Grupo SS continuou a "limpeza" da área demolindo a sinagoga Ohel Yaacov, uma das primeiras de São Paulo. Com os entulhos, tapou duas janelas do teatro, envolvendo-o em escombros. Zé Celso, por sua vez, encontrando uma estrela de Davi metálica em meio aos destroços, passou a usá-la em cena como um amuleto contra a ofensiva do Golias-Silvio Santos. Seu poder é revelar os teatros latentes por trás de cada personagem, incluindo o seu próprio, e reteatralizá-los.
Encaixadas sob os arcos de tijolo do paredão dos fundos do Oficina, as janelas foram abertas durante a montagem de "Os Sertões", indicando a intenção de expansão do espaço cênico atual (um palco-pista, como um sambódromo) para a desejada "apoteose" do teatro de estádio no terreno de trás, hoje um estacionamento.
Nascido de uma colaboração inédita entre os arquitetos e a companhia teatral, o teatro Oficina é um dos maiores patrimônios da cultura brasileira viva e um exemplo de radicalidade única no mundo. Radicalidade que não nasceu nem se alimentou de caprichos ou meros interesses expansionistas, mas, ao contrário, de uma necessidade artística: um auto-sacrifício ritual, masoquista como a própria estética tropicalista. Essa é a história inscrita no seu espaço, e determinante na decisão aparentemente insana de se demolir o antigo teatro para a construção do atual, acarretando mais de uma década de impasses em que o Oficina permaneceu em ruína.
O projeto anterior, feito por Flávio Império, "aproveitava" a estreiteza e declividade do lote construindo uma única arquibancada em frente a um "palco italiano". Ocorre que, com o tempo, o experimentalismo vanguardista da dramaturgia ultrapassou a sua estrutura física, ainda presa ao ilusionismo estático da caixa cênica. Era o coro que tomava posse do espaço, em uma concepção de encenação que tendia para o ritual, abandonando o paradigma do teatro como um lazer burguês, e radicalizando sua condição de festividade de massa, em aproximação com o Carnaval. Inspirado na tragédia grega e no teatro nô japonês, o projeto de Lina Bo Bardi e Edson Elito assumiu o terreno existente como uma pista em rampa, um "teatro de passagem", ligando a rua a um parque festivo.
Com o poder da grana e das "leis do mercado", Silvio Santos vem comendo por fora e cercando o teatro, ameaçando encapsulá-lo. Cabeça dura, e ainda mais ambicioso que o seu adversário, Zé Celso responde na mesma moeda: não faz concessões e pleiteia a cessão do terreno do "inimigo" para a construção do parque-estádio que completará o projeto original do Oficina. Sua ousadia desafia um dos maiores tabus da nossa sociedade: o direito de propriedade. Pois ele bem sabe que se o Brasil for capaz de eleger e cultivar os patrimônios que o mantêm vivo, Davi poderá vencer Golias.
segunda-feira, março 19, 2007
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